sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O NOVO ATEU

Por
Ricardo Barbosa de Souza

Hoje, o ateu não é mais aquele que não crê, mas aquele que não encontra relevância para Deus na sua rotina. O novo ateísmo não precisa negar a fé; apenas cria substitutos para ela. Mantém o crente na igreja, mas longe do seu Salvador.
Sabemos que existem vários tipos de ateus. Existem aqueles que não crêem em Deus por não encontrarem respostas para os grandes dilemas da humanidade como violência, miséria e sofrimento. Não conseguem relacionar um Deus de amor com o sofrimento humano. Outros não crêem porque não encontram uma razão lógica e racional que explique os mistérios da fé, como a criação do mundo, o dilúvio, o nascimento virginal, a ressurreição, céu, inferno, etc. Diante de temas tão complexos que requerem fé num Deus pessoal, Criador e Redentor, muitos não conseguem crer naquilo que lhes parece racionalmente absurdo.
Os dois tipos de ateus já mencionados são inofensivos. Na verdade, são pessoas que buscam respostas, são honestos e não aceitam qualquer argumento barato como justificativa para suas grandes dúvidas. São sinceros e lutam contra uma incredulidade que os consome, uma falta de fé que nunca encontra resposta para os grandes mistérios da vida e de Deus.
No entanto há um outro tipo de ateu, mais dissimulado, que cresce entre nós, que crê em Deus e não apresenta nenhuma dúvida quanto aos mistérios da fé, nem em relação aos grandes temas existenciais. Ele vai à igreja, canta, ora e chega até a contribuir. É religioso e gosta de conversar sobre os temas da religião. Contudo, a relevância de Cristo, sua morte e ressurreição para a vida e a devoção pessoal é praticamente nula. São ateus crédulos. O ateu moderno não é mais somente aquele que não crê, mas aquele para quem Deus não é relevante.
Este é um novo quadro que começa a ser pintado nas igrejas cristãs. Saem de cena os grandes heróis e mártires da fé do passado e entram os apáticos e acomodados cristãos modernos. Aqueles cristãos que entregaram suas vidas à causa do Evangelho, que deixaram-se consumir de paixão e zelo pela Igreja de Cristo, que viveram com integridade e honraram o chamado e a vocação que receberam do Senhor, que sofreram e morreram por causa de sua fé, convicções e amor a Cristo, fazem parte de uma lembrança remota que às vezes chega a nos inspirar.
Os cristãos modernos crêem como os outros creram, mas não se entregam como se entregaram. Partilham das mesmas convicções, recitam o mesmo credo, freqüentam as mesmas igrejas, cantam os mesmos hinos e lêem a mesma Bíblia, mas o efeito é tragicamente diferente. É raro hoje encontrar alguém em cujo coração arde o desejo de ver um amigo, parente, colega de trabalho ou escola convertendo-se a Cristo e sendo salvo da condenação eterna. Os desejos, quando muito, se limitam a visitar uma igreja, buscar uma "bênção", receber uma oração; mas a conversão a Cristo, o discipulado com todas as suas implicações, são coisa que não nos atraem mais.
Os anseios pela volta de Cristo, o desejo de nos encontrarmos com Ele e ver restaurada a justiça e a ordem da criação ficaram para trás. Somente alguns saudosos dos velhos tempos lembram-se ainda dos hinos que enchiam de esperança o coração dos que aguardavam a manifestação do Reino. A preocupação com a moral e a ética, com o bom testemunho, com a vida santa e reta não nos perturba mais - somos modernos, aprendemos a respeitar o espaço dos outros. O cuidado com os irmãos, o zelo para que andem nos caminhos do Senhor, as exortações, repreensões e correções não fazem parte do elenco de nossas preocupações. Afinal, cada um é grande e sabe o que faz.
Enfim, somos ateus modernos, o pior tipo de ateu que já apareceu. Citamos com convicção o Credo Apostólico, mas o que cremos não tem nenhuma relevância com a forma como vivemos. A pessoa de Cristo para muitos é apenas mais uma grife religiosa, não uma pessoa que nos chama para segui-lo. O ateísmo moderno se caracteriza pela irrelevância da fé, das convicções, do significado da igreja e da comunhão dos santos.
A irrelevância de Deus para a vida moderna é intensificada pela cultura tecnocrática. Temos técnicas para tudo: para ter um matrimônio perfeito, criar filhos felizes e obedientes, obter plena satisfação sexual no casamento, passos para uma oração eficaz, como conseguir a plenitude do Espírito Santo e muitos outros "como fazer" que entopem as prateleiras das livrarias e o cardápio dos congressos. A sociedade moderna vem criando os métodos e as técnicas que reduzem nossa necessidade de Deus, a dependência dEle e a relevância da comunhão com Ele. Chamamos uma boa música de adoração, um convívio agradável de comunhão, uma moral sadia de santificação, assiduidade nos programas da igreja de compromisso com o Reino de Deus.
As técnicas não apenas criam atalhos para os caminhos complexos da vida, como procuram inverter os pólos de atenção e dependência. Tornamo-nos mais dependentes de nós do que de Deus, acreditamos mais na eficiência do que na graça, buscamos mais a competência do que a unção, cremos mais na propaganda do que no poder do Evangelho. Tenho ouvido falar de igrejas que são orientadas por profissionais de planejamento estratégico. Estudam o perfil da comunidade, planejam seu desenvolvimento, arquitetam seu crescimento e, de repente, descobrem que funcionam, crescem, são eficientes, e não dependem de Deus para nada do que foi planejado. Com ou sem oração a igreja vai crescer, vai funcionar. Deus tornou-se irrelevante. Tornamo-nos ateus crentes.
A minha preocupação não é simplesmente criticar o mundo religioso abstrato, superficial e impessoal que criamos ou criticar a tecnologia moderna que, sem dúvida, pode e tem nos ajudado. Minha preocupação é com o coração cada vez mais distante, mais abstrato, mais centralizado naquilo que não é Deus, mais dependente das propagandas e estímulos religiosos, mais interessado no consumo espiritual do que numa relação pessoal com Deus.
Como disse, o ateu hoje não é mais aquele que não crê, mas aquele que não encontra relevância para Deus na sua rotina, não precisa da comunhão dEle para a vida. A sutileza do novo ateísmo é que ele não precisa negar a fé, apenas cria substitutos para ela. Mantém o crente na igreja, mas longe do seu Salvador. Este ateu está muito mais presente entre nós do que imaginamos.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

DESFAZENDO ALGUMAS DISTORÇÕES DO NATAL

A época do Natal é singular em vários aspectos, tanto positivos quanto negativos. Nos aspectos positivos destacam-se, entre outras coisas, a valorização da família e da amizade, e a evocação à fraternidade e à bondade. De certo modo, esses valores são aclamados no período natalino, e não há como negar que isso seja bom. Mas há também o que considero seus aspectos negativos, provocados por distorções impostas ao que entenderíamos como sendo mais adequado ao espírito do Natal. Antes, porém, é importante ver o que o texto bíblico diz a respeito do propósito da vinda de Jesus. Na narrativa de Mateus, o anjo diz através de sonho para José, quando este estava pensando em fugir para não difamar Maria, que aquele menino que estava sendo gerado era obra do Espírito Santo e que o seu nome deveria ser Jesus, "porque ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mt. 1.20,21 KJA). Esse texto merece muita atenção porque nos ajuda a compreender o valor do Natal e eliminar as distorções vividas hoje em relação ao nascimento de Jesus.

Em primeiro lugar o texto nos mostra que Jesus veio suprir-nos de nossas carências. Mateus diz que ele salvaria o seu povo dos seus pecados, ou, podemos dizer, "ele salvaria o seu povo daquilo que o pecado lhe acarreta". A palavra grega que traduzimos por salvação é abrangente, não se limitando apenas à salvação escatológica, do inferno, da condenação final. A salvação também pode ser empregada ao livramento da fome, de perigos, da doença, da angústia da alma. Nesse sentido, a vinda de Jesus tinha a proposta de trazer-nos alívio das angústias provocadas pela realidade do pecado em nós, tanto escatológicas quanto circunstanciais. Portanto, Jesus veio para suprir a humanidade de suas carências mais profundas. Esse princípio se contradiz com o espírito natalino contemporâneo, uma vez que este tem a tendência de deixar as pessoas ainda mais carentes. Nessa época se acentuam as carências afetivas, emocionais e materiais. Pais choram por não terem seus filhos sentados à mesa, outros choram por não terem a mesa tão farta; ainda outros choram por não verem ao pé de suas árvores natalinas todos os presentes que gostariam de ganhar. E assim, ao invés de a lembrança de Jesus nos proporcionar gratidão a Deus pelo que Jesus veio suprir em nós, nossas carências interiores se alastram distorcendo o sentido mais profundo do Natal.

O segundo elemento que precisa ser revisto ao pensarmos no espírito do Natal é a respeito daquilo que devemos nos tornar ao sermos alcançados pela salvação de Jesus. É bom lembrar que o evangelho se propõe a nos tornar instrumentos daquilo que ele nos fez alcançar. Ou seja, ele nos salva e nos torna instrumentos de sua salvação. Isso pretende nos imunizar contra o egoísmo, contra nossa tendência de colocarmos a nós e as nossas necessidades em posição de primazia em relação ao outro. Enquanto alguns se orgulham de suas mesas fartas, das roupas novas e dos presentes de alto padrão, outros dariam tudo apenas para terem o suficiente para não precisarem dormir com fome. Pensar que Jesus nasceu e que nos alcançou deve nos levar a pensar que a salvação que alcançamos deve também ser estendida ao outro, seja em que nível for, tanto emocional quanto físico ou espiritual. O anjo disse a José que Jesus salvaria o seu povo das misérias resultantes do pecado, porém as mãos de Deus deverão ser vistas nos braços estendidos daqueles que já foram alcançados por ele. Quando não somos capazes de ver além de nós mesmos ou quando não somos capazes de perceber o outro com suas carências e necessidades estamos distorcendo o verdadeiro sentido do nascimento de Jesus. Ele nos salvou também para olharmos para o outro e sermos instrumentos de sua salvação.

O terceiro aspecto relevante que precisa ser revisto com o fim de evitarmos distorções no espírito natalino tem a ver com o momento. Isso porque há muitos que até mantêm um espírito mais solidário e fraterno nessa época de fim de ano. Há filhos que desprezam seus pais durante todo o ano que passou, mas no Natal fazem questão de jantarem com eles. Há pais que durante todo o ano privam seus filhos de amor, atenção e cuidado, mas no Natal fazem questão de darem seus presentes. Há também outros que durante quase toda a vida não se mostram capazes de assistir a outras pessoas em suas necessidades, mas no Natal também fazem questão de comprar e distribuir cestas de mantimentos para os pobres. Alguns até saem pelas ruas procurando em baixo das pontes famílias as quais possam atender. Certamente que fazer essas coisas não é errado. A distorção se dá, no entanto, quando esse espírito fraterno nos acomete apenas na segunda quinzena dos meses de dezembro, quando, na verdade, durante toda nossa vida a lembrança de Jesus e sua presença em nossos corações deveriam nos mover em direção ao outro. A distorção se dá quando usamos o dia 25 de dezembro como meio de nos redimirmos de tudo o que deixamos de fazer durante o ano que passou, e assim nos escondemos por detrás de algumas boas ações.

E o último aspecto que merece ser repensado a fim de evitar distorções quanto ao dia do Natal é relativo à figura mais importante dessa comemoração. Não há dúvidas de que a figura mais importante é o Jesus anunciado pelo anjo a José. Porém precisamos admitir que ele é a figura da festa menos citada. Essa data comemorativa deveria ser uma boa oportunidade de agradecermos a Deus por ter mandado seu filho para nos redimir de nossos pecados e das misérias que lhe são oriundas. Deveríamos ter nessa data uma boa oportunidade de, em gratidão, celebrarmos toda a vida que alcançamos em Jesus sem deixar de refletir nas implicações disso em nossa relação com a vida e com o próximo. No entanto, alguns são mais gratos ao Papai Noel do que a Jesus. Não que eu seja radical a ponto de achar pecaminosa a brincadeira com o velhinho que traz presentes em sua sacola para as crianças que se comportaram bem durante o ano. O problema se dá, porém, quando ele, o velhinho, assume o lugar de Jesus como sendo a figura mais importante do Natal, deturpando o verdadeiro significado daquilo que foi o maior presente que a humanidade poderia e precisaria receber da parte de Deus. Natal de verdade tem a ver com Jesus, não com Papai Noel.

Concluo, portanto, desejando a todos um feliz Natal com Cristo. Espero que você tenha sua família reunida, com uma mesa farta e com todos os presentes que gostaria de dar e receber. Porém, nada disso terá valor real se faltar Jesus. Que a presença de Jesus traga maior significado para sua vida e para suas comemorações de fim de ano. Que ele lhe supra de suas carências e que você seja o braço dele para suprir as carências do seu próximo. Que o espírito de bondade e fraternidade o acompanhem sempre, e que Jesus tenha por todos os dias da sua vida a primazia em seu coração, em seus sonhos e seus caminhos.