sábado, 12 de dezembro de 2009

O Deus Bailarino

Por Ed René Kivitz

"Quem acredita num mundo onde cada ser e cada relação é singular não consegue se submeter a esquemas, não confia em métodos nem se impressiona com estatísticas"

O que acreditamos a respeito de uma coisa determina a maneira como nos relacionamos com ela. Eu, por exemplo, gosto de brincar com cachorros, mas se percebo que um cachorro é bravo, fico longe dele; mas se é brincalhão, chego perto. Assim é também com o mundo. Antigamente, acreditava-se que o mundo era uma estrutura hierarquizada, sempre do mais complexo ou poderoso para o mais simples ou fraco, sendo que Deus ocupava o topo da pirâmide. O imaginário das pessoas era construído a partir das relações entre reis e súditos, senhores e escravos, generais e soldados, e assim por diante. Cada um tinha seu papel e quase todo mundo se respeitava. Naquela época, a Igreja tinha autoridade, e quem não concordava com o que ela dizia morria na fogueira - mesmo que essa Igreja dissesse que índios e escravos não tinham alma e que o sol girava ao redor da Terra.

Quem acredita numa realidade estruturada a partir de autoridade e poder acha que a fé em Deus resolve tudo; afinal de contas, “agindo Deus, quem impedirá?”. Basta orar com fé e esperar a cura, a prosperidade, a volta do marido, a libertação do filho, enfim, a solução de qualquer problema. Deus manda, o resto obedece. Tudo quanto se tem a fazer é aprender os truques para fazer Deus mandar exatamente o que a gente quer que ele mande. Surgem então as correntes de fé e as ofertas compensadoras da falta de fé, e, principalmente, os gurus que sabem manipular Deus em favor de quem paga bem. Feitiçaria pura.

Copérnico, Galileu, Newton, Einstein e sua teorias científicas fizeram com que o mundo passasse a ser visto como uma máquina, ou como um relógio, sendo Deus o relojoeiro. Neste mundo-máquina, tudo pode ser decodificado, explicado e controlado. As coisas funcionam em relações de causa e efeito previsíveis, como por exemplo as estações do ano, as fases da lua, os movimentos das marés, a órbita dos planetas e os eclipses solares. No dia-a-dia, estas relações também são previsíveis: a partir de informações sobre massa, força, aceleração e direção, sabemos calcular em quanto tempo o carro vai se chocar contra o poste, ou qual bolinha vai acertar a amarela e qual delas vai cair na caçapa.

No mundo-máquina é possível também consertar quase tudo. Quando seu microondas pára de funcionar, basta chamar um técnico e ele vai dizer qual peça deverá ser substituída. O problema é que quem acredita que o mundo funciona assim acaba extrapolando isso para todas as suas relações: o casamento quebrou? Seu filho está dando trabalho? A vida não está funcionando? Então, basta chamar o especialista. Quase tudo tem conserto e pode voltar a funcionar como antes. Mais do que isso, se é verdade que as relações de causa e efeito obedecem precisão matemática, basta apertar o botão certo que as coisas acontecem. Quer fazer discípulos? Quer fazer a igreja crescer? Quer evitar problemas na família? Quer garantir uma boa carreira profissional? Então, basta fazer o curso certo, encontrar o método indicado, seguir as regras apropriadas. Logo, “A” sempre conduz a “B”. Caso você faça “A” e o resultado não seja “B”, então você pensa que fez “A”, mas não fez. O mundo-máquina é assim: tudo sempre funciona direitinho – você é que nem sempre funciona.

Desta compreensão é que surgem o fenomenal ministério para fazer a igreja funcionar com propósitos; a estratégia de sete passos para fazer o ministério ser relevante; as quatro leis espirituais para ganhar a vida eterna; as técnicas de ministração para libertação espiritual e cura interior; os grupos de 12 para fazer o rebanho se multiplicar. É apostila para tudo quanto é coisa, curso para tudo quanto é treco e guru especialista para tudo quanto é tranqueira. Quase todos bem intencionados, mas geralmente funcionando como se o mundo fosse mesmo uma máquina.

Mais recentemente apareceram no cenário algumas teorias elaboradas a partir de outras percepções das ciências da física e da biologia. Na mecânica quântica, os movimentos não são tão previsíveis quanto na mecânica newtoniana. Então, o mundo já não é uma hierarquia nem uma máquina, mas um organismo vivo. As palavras mais adequadas para descrever a realidade são “teia”, “rede”, “arena”, e até mesmo “dança”. A realidade é complexa e os fenômenos naturais e sociais não são previsíveis nem manipuláveis. As pessoas são singulares. Basta verificar que dez pessoas que ganham na loteria reagem de dez maneiras diferentes. Os relacionamentos também são singulares. Dez casais que ganham um filho reagem de dez maneiras diferentes. Da mesma forma, dez igrejas que iniciam um projeto reagem de dez maneiras diferentes. Seres vivos não são padronizáveis. Eles não obedecem relações exatas de causa e efeito. Seres vivos não são coisas. E a vida não é exata.

Quem acredita no mundo como um ser vivo onde cada ser e cada relação é singular, não consegue se submeter a esquemas, não tem a pretensão de gerenciar pessoas, não confia em métodos e nem se impressiona com números, estatísticas e probabilidades. Prefere outros caminhos. Escolhe o caminho da intimidade com o outro; encanta-se com o mistério do sagrado; maravilha-se com a diversidade; presta atenção no jovem em conflito; ouve os dramas do homem que não pára em emprego; fica em silêncio diante da dor e se ajoelha para orar antes de dar um passo sequer em qualquer direção. Esses não se dão muito bem com o Deus-general, ou o Deus-relojoeiro. Curtem mais o Deus-bailarino.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Não quero o direito de ser homofóbica

Por: Bráulia Inês Ribeiro
A autora está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM(Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos)


"Se o Estado acha por bem legitimar a união homossexual e a população do país concorda, não há nada que podemos fazer como cristãos"

Em um momento como o que estamos vivendo no Brasil temos que saber pesar nossas palavras como Igreja. Não é nosso papel legislar moral. Deus criou a lei moral a partir de seu próprio coração refletindo seu amor e cuidado com aqueles que Ele mesmo criou e que conhece muito bem.

É sua intenção que nossa sexualidade refletisse a profundidade e intimidade do relacionamento que Ele mesmo quer ter conosco. É sua intenção que nossa sexualidade seja responsável, monogâmica, comprometida por toda a vida, gerando o núcleo da família, filhos que vão encher a terra e conhecer parte de seu amor através do amor que seus pais em família são capazes de gerar. É sua intenção que nossa sexualidade seja hetero-sexual, para poder cumprir as duas outras intenções acima: um amor que se encontra nas diferenças e não na igualdade e um amor capaz de gerar biológicamente, fisicamente completo nas palavras de Roberto Carlos pelo côncavo e o convexo.

Deus é o criador do sexo e do prazer sexual. No entanto apesar de todos estes projetos maravilhosos para a família ele não se ilude à respeito do mal uso que podia ser feito deste sexo inventado por ele. Há páginas e páginas na Bíblia sobre com que e com quem não devemos praticar sexo. Não pratique com sua irmã, com seu irmão, com seu pai, com sua mãe, com outro homem se você for homem, com outra mulher se você for mulher, com o bode, com animais, etc., etc. Deus não presumiu que por haver um ideal, estaríamos todos compelidos a ele. Ele estabeleceu sanções claras para que Israel como toda sociedade sadia tivesse como reforçar o padrão social estabelecido por ele, senão com certeza como acontece em qualquer sociedade este padrão se perderia completamente em poucas gerações.

Como Igreja vivemos hoje no Brasil uma encruzilhada moral e cultural. É nosso dever e nosso ideal cristão viver os princípios de Deus para a família. Infelizmente vivemos estes valores de uma forma pífia. A Bíblia dá mais ênfase ao adultério, do que às perversões, defendendo os limites da família com veemência. Nós cristãos não damos ao adultério a mesma importância, justificamos, entendemos, e até “defendemos” adultérios em nome da felicidade pessoal e em nome do mero hedonismo que tempera nossa religião com o mesmo sabor do mundo.

Mas a homossexualidade? Ah, este sim é um pecado gravíssimo e numa hora como esta nos desesperamos para ter uma voz. Infelizmente não sabemos nem pelo que lutar. Que tipo de voz queremos? Uma voz moral? Queremos que as leis brasileiras reflitam as leis morais de Deus? Que os homossexuais sejam apedrejados? Acho que o bom senso nos diz que não. Queremos então que o Estado brasileiro se conforme mais aos padrões de Deus e não permita a união legal homossexual? Seria um clamor mais razoável e teríamos que trabalhar um tempo com a sociedade para verificar se este é o desejo da maioria da sociedade. Mas também não teríamos tratado com o problema principal.

Como disse a estudiosa da Bíblia professora Landa Cope, que tive o privilégio de ouvir recentemente, de acordo com a palavra de Deus a responsabilidade de legitimar casamentos não é do Estado. O Estado pode casar dois homens, um homem com duas mulheres, três homens com uma mulher, dois porcos com uma galinha, que pra Deus não faz diferença. Esta responsabilidade também não foi dada à Igreja. Numa sociedade que vive princípios bíblicos esta responsabilidade é da família. É no dominío das famílias que se legitima, e fortalece a união de dois jovens, a formação de uma nova família. Vemos casamentos na Bíblia mas nem um casamento feito ou legitimado pela igreja ou pelo estado. Como acontece até hoje nas sociedades tribais, e muçulmanas, as famílias dos noivos se juntam entram em acordo e se comprometem em nutrir e abençoar a constituição de uma nova família.

Se o Estado acha por bem legitimar a união homossexual e a população do país concorda, não há nada que podemos fazer como cristãos. Não é o ideal para sociedade nenhuma, como cristãos se nos for dado o direito de voto, diremos não, mas será que vai fazer muita diferença? Infelizmente nos dias de hoje até os casamento heterossexuais estão se desfazendo em mais de 40%. Será que os pseudo-casamentos gays tem chance de durar mais? Eu duvido.

Como cristã tenho que dar a mão à palmatória e também reconhecer que a confusão entre moralidade e leis governamentais também não é de Deus. Misturar Deus e estado foi um erro na época de Constantino e continua sendo um erro hoje.

Um estado justo e que reflete os valores de Deus vai afirmar para cada indivíduo o direito às suas escolhas individuais desde que estas escolhas não firam o direito de outros. Muitos evangélicos estão numa expectativa de uma espécie de “sharia” cristã onde a moralidade cristã seria reforçada pelo estado. Além de ser injusta e absurda esta “sharia” não mudaria o coração dos homens que só é definitivamente mudado de dentro pra fora.

Como discutir então a questão homossexual no Brazil hoje?

Temos o dever cristão de lutar contra a homofobia. A discriminação de pessoas com base na sua preferência sexual é tão ruim como a discriminação com base na sua crença religiosa. A voz anti-homofobia deveria ter sido ouvida primeiro da nossa boca, um grito de amor em favor do aflito. O homossexual é gente. Tem direito à emprego, tem direito à tratamento médico, tem direito a ter o seu espaço. Se tivéssemos liderado esta luta é provavel que não teríamos que viver hoje o desconforto da imposição da agenda homossexual como estamos vivendo. Teríamos nos aliado a eles pelo amor de Cristo, e não nos levantado contra eles numa cruzada de ódio e preconceito. O amor faz toda a diferença. O reino de Deus se ganha perdendo...

Mas agora é quase tarde demais. O pacote gay está no congresso e está pesado. Agora quem está sendo roubado de direitos somos nós. Se o pacote for aprovado como está não teremos mais o direito de expressar nossos valores morais, e teremos que engolir uma educação homossexualizante imposta nas escolas à pretexto de “prevenção anti-homofobia”. O que fazer?

Imagino que se erguemos nossa voz agora de maneira racional, cordata se nos uníssemo pelo verdadeiro desejo de que o direito de todos sejam respeitados, os nossos, e os deles, quem sabe ainda poderíamos mandar uma delegação para o “Grupo de Trabalho” da senadora Fátima Cleide, e ser ouvidos. Se nossa voz for amor, for respeito, seremos também respeitados.

Fonte: www.eclesia.com.br

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Religião como enfeite

Por: Isaltino Gomes Coelho Filho

“Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 6.1)

Há um site de humor que mostra atrizes famosas, maquiadas, bem vestidas, enfeitadas, e exibe outra foto delas, ao natural, sem produção alguma, como se diz. A diferença é tão grande que muitas vezes nem se reconhece quem é. A imagem da pessoa enfeitada é bem diferente da pessoa real.

Acontece isto muitas vezes na área religiosa. As pessoas se enfeitam e aparecem como não são. Quando vistas na vida real, não há semelhança entre as duas imagens, a produzida, e a natural. Há muita religiosidade artificial, apenas enfeite na vida da pessoa. Serve para exibir uma imagem bonita aos outros, mas no fundo, a pessoa não é aquilo. Às vezes, a pessoa real é até feia.

Por exemplo: no culto há quem seja bem exagerado nos cânticos, com gestos e balanço de corpo, de modo que todos vejam sua participação, mas sua vida fora da igreja não condiz com o que canta. Há também a bondade exibicionista, em que o bem é feito para a pessoa mostrar aos demais como é generosa. Mas, no fundo, a pessoa não se importa muito com os sofredores.

Jesus advertiu contra isto, como vemos no texto que inicia nosso estudo. O bem que fazemos não deve ser para nossa exaltação, mas por amor ao bem. Quem faz coisas boas para ser visto não recebe recompensa de Deus Pai. Fez por vaidade e não por amor. Este é o princípio básico na caridade: fazer o bem por amor e não por exibição. Fazer o bem por causa do necessitado e não para ser admirado pelas pessoas, ou como ensinam algumas religiões, para comprar a Deus. Praticar o bem pelo bem. A bondade não deve ser utilitária, mas desprendida.

QUANDO, POIS …

Por isso Jesus diz: “Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa” (Mt 6.2). As esmolas faziam parte da religião de Jesus, em sua época. Além de a pobreza ser grande, não havia amparo social para órfãos, viúvas, deficientes, etc. As esmolas eram uma prática religiosa que ajudava essas pessoas a sobreviverem. Mas não deviam ser feitas ao som de trombetas.

A linguagem é figurada. Uma trombeta soando chama a atenção. Tem som forte e estridente que logo é ouvido. Quem a ouve, sem esperar, logo procura saber o que ouve. Os hipócritas faziam assim nas sinagogas. Davam esmolas como ato religioso, na casa de Deus, mas querendo que os homens vissem. E faziam também nas ruas, para que os passantes os notassem. Tanto na sinagoga como na rua, num prédio ou em lugar aberto, faziam questão que todos vissem seu gesto. “Para serem glorificados pelos homens” mostra seu objetivo: receber louvor dos homens. Por isso, como diz o versículo 1, não terão recompensa de Deus. Já receberam o que queriam, o elogio dos homens. Esta é a questão: fazemos as coisas para Deus ou para os homens? Para a glória de Deus ou nossa glória pessoal? Nossa vida cristã é direcionada para Deus ou para as pessoas?

O PADRÃO – DISCRIÇÃO

“Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita; para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 5.3-4). A mão direita não saber o que a esquerda faz era um provérbio popular da época de Jesus para mostrar a discrição nos atos. Quem ajuda alguém deve ser discreto. Os atos de bondade do seguidor de Jesus devem ser discretos.

Sendo discreta, a bondade não aceita o soar de trombetas. A atitude do alarido é humilhante para quem recebe a esmola. Ao invés de ser algo discreto, é mostrado a todos. E a pessoa que recebe ajuda fica numa situação desfavorável. Todos a vêem como um desgraçado ou pobretão, um miserável. A prática do bem é para Deus, não para auto-elogio de quem pratica nem para humilhação de quem recebe.

O exibicionista não recebe recompensa de Deus porque já recebeu os elogios dos homens, mas neste caso, sucede o oposto. Os homens não vêem, mas como foi feito para Deus, ele recompensa. Deus sabe quando foi feito para os outros e quando foi feito para ele. Deus gosta do “secreto”, daquilo que é feito sem trombeta. Por isso é bom evitarmos a religiosidade exibicionista, de maquiagem e arrumação para aparecermos bem diante dos outros.

E, QUANDO ORARDES…

Mas Jesus continua: “E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa. Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6.5-6).

De esmolas ele encaminha seu assunto para a oração. De atos para com as pessoas, passa para a atitude diante de Deus. Os hipócritas gostavam de orar em pé nas ruas, bem mesmo nos cruzamentos de ruas. Não eram ruas como as nossas, mas eram muito movimentadas porque eram estreitas e as pessoas passavam a pé. De repente, o exibicionista parava no meio do caminho, levantava os braços, e começava a orar para que todos vissem sua espiritualidade. De novo a questão do exibicionismo, mas agora em nível mais dramático. Para quem esta pessoa orava? Para os outros ou para Deus? Para quem oramos, para quem cantamos, para quem desempenhamos tarefas na igreja? Para as pessoas verem nossa capacidade e nossa espiritualidade ou para Deus? Para sermos exaltados ou para bom relacionamento com Deus?

Mais uma vez Jesus mostra que quem age para ser visto pelas pessoas já recebeu sua recompensa. Deve-se orar para Deus, no secreto do quarto, que ele verá e recompensará. O Mestre não está invalidando a oração pública, pois ele orou em público. Nem dizendo que não se deve orar em pé. A posição que assumimos na oração é irrelevante. Qual era a posição de Jonas, no ventre do peixe? O que Jesus censura é a religião como enfeite, como um adorno para nossa vida. Tanto na prática do bem, que é a dimensão horizontal da religião, como na oração, que é a dimensão vertical da religião, ele nos mostra que devemos ser discretos.

TEU PAI, QUE VÊ EM SECRETO

Duas vezes Jesus usou esta expressão (vv. 4 e 6). Assim ele ressaltou bem uma realidade: o nosso relacionamento com Deus não precisa ser trombeteado, mas deve ser diretamente voltado para ele. Isto não exclui os atos de cultos, a freqüência à igreja, a comunhão com os irmãos. Mas nos lembra que Deus vê em secreto. Deus vê no íntimo. Disse bem Davi: “Eis que desejas que a verdade esteja no íntimo; faze-me, pois, conhecer a sabedoria no secreto da minha alma” (Sl 51.6).

Deus deseja a verdade no íntimo. E nos conhece no íntimo. Ele sabe de nossas intenções. Jesus sabe quem somos, o que pensamos, o que está no nosso íntimo. Não é apenas o Pai que vê em secreto. O Filho conhece em secreto o que há dentro de nós: “E não necessitava de que alguém lhe desse testemunho do homem, pois bem sabia o que havia no homem” (Jo 2.25). Ele sabe de nossas intenções.

Por isso, preocupe-se em dar bom testemunho, em cultivar uma boa imagem junto às pessoas e em ter um procedimento correto diante delas. Mas não seja artificial nem hipócrita. Isto deve estar em seu coração, no seu íntimo. Não toque trombeta porque Deus não é surdo nem se ilude. Seja uma pessoa de fé, com bom relacionamento com Deus, e com boas ações, a partir de dentro. Não para se exibir às pessoas, mas como um ato de culto para com Deus.

CONCLUSÃO

O teólogo inglês John Stott cunhou uma expressão para designar o que ele considera uma doença da igreja contemporânea: “holofotite”. Segundo ele, é a ânsia que as pessoas têm em se colocar debaixo de holofotes para serem notadas e aplaudidas. Não seja assim conosco. Que os atos que mostram nossa fé sejam discretos. Que sejam vistos não para nosso engrandecimento, mas para a grandeza de Deus. Que ele brilhe, não nós.

Os reformadores usavam uma expressão latina, em seus escritos: Soli Deo gloria (“Para a glória de Deus”). Que seja um lema a reger nossos atos.

sábado, 17 de outubro de 2009

ATRÁS DO TRIO ELÉTRICO SÓ NÃO VAI QUEM JÁ MORREU

Por: LÉCIO DORNAS

Embora o nome “trio elétrico” só tenha começado a ser usado em 1951, todos concordam que a história do famoso carro de som remete a cerca de um ano antes, com Dodô e Osmar em cima de um Ford Bigode 1929 restaurado para esse fim, saindo pelas ruas do centro de Salvador, arrastando o povo.

Mas foi na década de 70 que Caetano Veloso ´eternizou´ o Trio com a canção “Atrás do trio elétrico”. Quase todo mundo conhece o refrão transcrito acima... porém arrisco afirmar também que quase todo mundo desconhece o último verso dessa cantiga:

"Nem quero saber se o diabo nasceu foi na Bahia, foi na Bahia
O trio eletro-sol rompeu no meio-dia, no meio-dia".

Mesmo sem ter plena consciência, Caetano acertou em cheio... Mas na primeira linha:

"Atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu".

Basta que nos lembremos das palavras de Paulo em sua carta aos Gálatas (6.14 ), onde expõe com clareza a realidade do nascido de novo, como sendo alguém que, de fato, já morreu... Para o mundo. Tendo morrido para o mundo, a pessoa convertida não sente mais prazer em muitas coisas que antes enchiam de significado sua vida; quem nasce de novo tem sua vida ressignificada. Veja o texto de Paulo:

"Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo".

Sendo assim, a gente não precisa ir atrás um trio elétrico, pois morremos. E porque revivemos em Cristo, com nossa vida tendo sido ressignificada, nossa alegria não se fundamenta mais em momentos de euforia ou de extravasamento. Temos em nós a verdadeira alegria!

Assim, como já morremos (para o mundo), não vamos atrás do Trio Elétrico. E como já renascemos (para Deus), seguimos a trilha do Reino de Deus, o qual “não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” ( Romanos 14.17 ).

E nós sabemos que o diabo não nasceu na Bahia... embora saibamos que ele tem crescido muito aqui, como em muitas partes do mundo. Mas também sabemos que os seus dias já estão contados (Apocalipse 20.1-6).

Desta forma, podemos fazer coro com as palavras de Paulo e declarar que para nós o viver é Cristo e o morrer é lucro ( Filipenses 1.21 ).

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A MENTIRA NA POLÍTICA

Por: ISRAEL BELO DE AZEVEDO

Diante do quadro, nós nos perguntamos se são compatíveis a prática da política e a vivência da verdade. Pelo que vemos, os atores profissionais da política subordinam a verdade ao seu interesse, seja ele pessoal, partidário ou governamental. No entanto, nós, o povo, amador de política, ainda vemos a verdade como bem supremo, maior até que a governabilidade. Por isto, ficamos curiosos em saber a verdade ("afinal, a secretária esteve ou não esteve no palácio?", "o presidente sabia ou não sabia o que diz não saber?", "tem ou não tem conta na Suíça o ex-prefeito?") Quando as evidências se acumulam e negam a negação, ficamos escandalizados.

Essas negações não são justificáveis por uma ética extrema de situação. A Bíblia registra a história de Abraão, flagrado na mentira. Um governante interessou-se por Sara, sua esposa. Temendo ser morto, para o caminho ficar livre para o dirigente, disse que Sara era sua irmã. A história terminou bem para o casal, mas o governante repreendeu a Abraão por lhe ter mentido. O autor de Gênesis apenas conta a história, sem fazer qualquer aplicação de fundo moral. Essa é nossa responsabilidade e não temos dificuldade em absolver o patriarca por agir assim para defender sua vida e sua família. Situações como estas acontecem todos os dias, com finais nem sempre felizes, como a do advogado carioca que levou seus seqüestradores, que queriam o seu endereço, para longe da sua casa e foi morto.

As histórias das guerras estão cheias de mentiras de homens públicos, as quais ajudaram a construir as vitórias dos seus países, em nome das quais Winston Churchill pode ter afirmar que "durante a guerra, a verdade é tão preciosa que ela deveria ser sempre acompanhada de mentiras como guarda-costas." Como nem todas as guerras são legítimas, nem todas as mentiras, mesmo nas guerras, são legítimas, como não foram as do governo norte-americano para justificar o ataque ao Iraque. É quase um consenso que o preço para a deposição de Sadan Hussein foi alto demais. A alegada ameaça à segurança americana ou global não existia. Se existisse, e tivéssemos ficado livre dela, não chamaríamos Bush de mentiroso.

Muitos de nossos homens públicos parecem usar a verdade como se estivessem em guerra para defender a pátria. Eles parecem tão apaixonados pelo que chamam de governabilidade que reescrevem Churchill: a mentira é tão preciosa que precisa ser acompanhada de verdades como guarda-costas.

Quando lemos as cartas dos leitores, é raro encontrar uma que defenda a mentira, mesmo em nome da governabilidade. Os adjetivos mais comuns são "horrorizados", "enojados", "escandalizados". É bom ficarmos horrorizados, enojados e escandalizados com as mentiras dos nossos governantes, por indicarem estes sentires, ao mesmo tempo, a nossa ingenuidade e o nosso ideal.

Por ingenuidade e ideal, não aceitamos fatalisticamente que "política sempre se fez assim". Queremos outra forma de fazer política. Por ingenuidade e ideal, não aceitamos passivamente que a tese da governabilidade engula a verdade. Queremos uma política em que os acordos sejam celebrados para serem cumpridos de verdade, mesmo que, por alguma razão, todos os detalhes não sejam públicos. Por ingenuidade e ideal, não aceitamos que um político profissional diga uma coisa e faça outra. Não queremos uma ética para nós e uma ética para os políticos profissionais (porque políticos somos todos, os que desejamos, os que opinamos, os que votamos). Desde crianças, aprendemos a abominar o "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Já devíamos estar acostumados com a mentira na política, mas não estamos, se "costume" quer dizer "aceitação".

Saudemos como saudável esta recusa. Nossa recusa implica em saúde coletiva. Estamos dizendo que não esperamos a mentira por parte dos nossos governantes, porque não os consideramos bandidos. Podem ter se tornado, mas não os escolhemos bandidos. Um pastor que desvia dinheiro de sua igreja é um desviado, mesmo mantido no púlpito, porque não esperamos dele esta atitude. Apostamos nele como um homem acima da bandidagem.

Precisamos prosseguir em nossa recusa à mentira para o bem da democracia. Afinal, cometidas nas ditaduras e nas democracias, as mentiras são uma grande ameaça às democracias. Para sobreviver, a democracia precisa de um razoável nível de crença nas leis e nas pessoas. A democracia, por ser contrária à natureza egoística intrínseca e universal do ser humano (em função daquilo que os teólogos chamam de pecado original), precisa também de homens, no circulo e na margem do poder, dispostos a agir com verdade. Suas palavras devem repousar sobre o fundamento da verdade.

Sem verdade, não há democracia verdadeira. Quando, nos altos escalões a mentira se passa por verdade, como imaginar que as nossas organizações, inclusive nossas famílias, não ficarão escravas do pecado? Como os pais convencerão os seus filhos que mentira tem perna curta, se os mentirosos se perenizam no poder?

Precisamos, na política, na rua e em casa, de verdade, com o seu poder libertador.

sábado, 26 de setembro de 2009

O Encontro

por Ariovaldo Ramos


Pastor, hoje eu tive um encontro de terceiro grau com Deus, e preciso da sua ajuda!

Como assim um encontro de terceiro grau?

Pessoal, pastor, face a face!

Hoje, você esteve com Deus como... Moisés?

Isso pastor! E preciso da sua ajuda!

Por que uma pessoa que esteve pessoalmente, ao vivo e a cores, com Deus, precisa de minha ajuda, ou de qualquer ajuda?

Por que apareceram dois, pastor!

Dois? Como assim?

Deus! Apareceram dois seres! E ambos disseram ser Deus!

Ao mesmo tempo?

Não, pastor, primeiro veio um e depois veio outro, e eu preciso que você me ajude a descobrir qual dos dois é Deus, de fato!

Não sei se posso ajudar... Como era cada um?

Iguais, absolutamente iguais, apareceram com a mesma face, jeito... Tudo!

E a fala? Falaram a mesma coisa?

Ah! Isso não!

O primeiro chegou, eu estava no quarto, não tive medo, ao contrário, veio uma enxurrada de tranqüilidade. Aí ele disse: Tenho ouvido as suas orações, percebo sua preocupação com as pessoas em seu sofrimento, com a violência, com a injustiça. Sua preocupação com os rumos da minha Igreja, com a pregação enganosa, com a distorção do evangelho. E ouço todas as vezes que você pergunta o porquê da minha aparente não interferência.

Eu vou interferir, vou botar a casa em ordem! Quanto ao sofrimento, por enquanto é assim, é o custo da queda, afinal, graças à desobediência de vocês, o mundo jaz na maldade. Mas, no fim, os justos florescerão, sua diferença será percebida por todos os outros que jogaram fora a oportunidade que lhes foi oferecida. E quanto a esses falsos pregadores: eles não perdem por esperar, serão expostos: um a um!

Essa foi a fala do primeiro. Falou e sumiu!

Enquanto eu meditava nessas palavras... Apareceu o outro. Do mesmo jeito! E, mais uma vez, eu não tive medo, pelo contrário, veio uma enxurrada de tranqüilidade. Aí ele disse: Tenho ouvido as suas orações, percebo sua preocupação com as pessoas em seu sofrimento, com a violência, com a injustiça. Sua preocupação com os rumos da minha Igreja, com a pregação enganosa, com a distorção do evangelho. E ouço todas as vezes que pergunta o porquê da minha aparente não interferência.

Nós vamos interferir, vamos botar a casa em ordem! Entenda, sofremos com vocês! E, desde antes da criação, nós fizemos tudo o que precisava ser feito para acabar com esse sofrimento, vocês viram isso manifesto na morte do Cristo, e que a sua ressurreição o demonstrou. Mas entenda, há certos princípios que nós temos de respeitar! A vida é rara e muito frágil, se nós quebrarmos os princípios, que nós mesmos estabelecemos, a vida deixará de existir e, com ela, o universo. O sofrimento terá fim, e haverá justiça; é para isso que trabalhamos até agora.

Quanto aos erros grosseiros, nós os vemos e lamentamos, mas, tínhamos de decidir, diante do que aconteceu, antes de acontecer, como acabaríamos com a maldade que, em vocês, achou expressão; com a agravante, que a única maneira de acabar com a maldade é acabar com os maldosos. E vimos que há duas maneiras de acabar com os maldosos: ou os destruímos, ou os convertemos. Nós decidimos pela conversão.

E para que vocês pudessem ser convertidos, tínhamos de perdoá-los em primeiro lugar, por isso, nós sempre nos aproximamos de vocês a partir do perdão que lhes estendemos. Assim, insistiremos na conversão de vocês até o fim. E quando convertemos um de vocês, é uma maravilha! Porque nós marcamos com fogo no coração de vocês a nossa lei, e a nossa lei é o amor. E aí vocês mudam de vida, por entenderem que é amando que se vive, que é perdoando que se convive, e que é servindo que se estabelece a justiça. Sei... você está pensando: mas eles já são convertidos! Pois é, nós insistiremos na conversão de vocês até o fim.

Essa foi a fala do segundo. Falou e sumiu!

Então, eu vim correndo para falar com você: Qual dos dois é Deus? A quem devo ouvir e seguir?

Ai meu Deus! Não sei lhe dizer... me vi muito na fala do primeiro, e fiquei envergonhado na fala do segundo.

Acho que temos de pedir ajuda. Por favor nos ajudem...

Para vocês... Quem é Deus?

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Gente da Palavra

Por Rubem Amorese

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela — João 1:1-5

Os cristãos se orgulham de ser gente de palavra: gente que diz a verdade; gente que não gosta de mentir nem da mentira.

Mais que uma imagem, mais que uma marca do Cristianismo, esse é um valor cristão. E, de fato, ele provém tanto de recomendações bíblicas, sobre um sim que seja sim e um não que seja não, sem subterfúgios, quanto do elogio bíblico àquele que jura com dano próprio e não se retrata. O dever de dizer a verdade e a condenação da mentira são temas bíblicos.

Essa tradição de ser gente de palavra pode vir, também, do simples fato de prezarmos a Palavra de Deus, que se propõe como “a verdade”. Seríamos, então, gente da Palavra.

Vale considerar, entretanto, uma outra origem para essa tradição cristã: a própria identidade de Jesus. Ele era a palavra. Mais precisamente, o Verbo de Deus. Uma palavra dinâmica, com poder de criar, iluminar, corrigir, trazer vida, reordenar o caos. Ela estava presente na criação e fez-se necessária novamente, quando essa criação se corrompeu, pela desobediência. Foi quando ela habitou entre nós.

Se cremos que somos cristãos por sermos seguidores de Cristo, tendo recebido dele mesmo nossa identidade missionária: “assim como o pai me enviou eu vos envio a vós”, então devemos fazer o que ele fez e derivar nossa missão da dele. O que dizer, então, dessa sua natureza de “Verbo de Deus”? Talvez, aqui, devêssemos tomar cuidado, pois ser o Haja de Deus era uma prerrogativa exclusiva da divindade que residia nele.

Bem, com todo o cuidado, gostaria de propor o pensamento de que o próprio Jesus nos ensinou sobre o poder da nossa palavra, fosse para expulsar demônios, fosse para curar, fosse para confortar, profetizar, admoestar etc. E ouso pensar que Deus nos deu esse ministério, o mesmo que incumbiu ao seu Filho, a saber, o ministério da reconciliação. Recebemos então, na condição de colaboradores, o mesmo ministério que Deus exerceu em seu Filho (2Co 5: 18, 19). E certamente os mesmos recursos espirituais para o exercer.

Ouso lembrar que, como Jesus, recebemos a palavra da reconciliação — “E nos confiou a palavra da reconciliação”. Não é assim que se entende que a fé venha do ouvir a palavra de Deus? E como ouvirão se não a proferirmos? E quem haverá de pregá-la, senão os cristãos, as testemunhas do Cordeiro?

Não quero dar a estes pensamentos um tom ufanista. Ao contrário, meu sentimento é de temor pela responsabilidade implicada. Aquele a quem muito foi dado muito será cobrado. Talvez seja também por isso que Jesus tenha dito que prestaríamos conta, no Dia do Juízo, de toda a palavra frívola que proferíssemos (Mt 12:36, 37).

Se existe, então, poder em nossas palavras, torna-se imprescindível resgatarmos o cuidado com o que dizemos. Gente da palavra não diz frivolidades, não mente, não se salva de situações difíceis com meias-verdades, não pragueja, não fala palavrão, não blasfema, não conta anedotas indecentes. Por quê? Primeiro, porque tem mandamentos expressos a esse respeito. Segundo, porque agora entende que suas palavras têm o poder de mediadoras da realidade. Ou seja, certas realidades, ao serem nomeadas, ao serem reveladas pelas palavras que as descrevem, são trazidas à vida; à consciência; à existência. Não me refiro a milagres e muito menos a mágicas. Refiro-me ao processo de conscientização que a linguagem permite. Em especial, por meio das palavras. Elas não somente nos desvendam o mundo como nos inserem nele.

Exemplificando com a lista acima, a respeito de coisas que gente de palavra não faz, diríamos que uma piada indecente traz à luz uma perversão (normalmente sexual), com conotação humorística. E o caráter engraçado torna aceitável a imagem indecente. Ao introduzi-la numa conversa, estamos dizendo “haja” a um monstro bonito; estamos dizendo, também, que ele é inofensivo porque é engraçado e, portanto, aceitável, como ferramenta de socialização, e que pode viver entre nós, desde que façamos aquela expressão de divertidamente escandalizados com a ousadia de quem trouxe o monstro à existência.

Do lado positivo, gente da palavra profere palavras de vida e não de morte; palavras de reconciliação e não de separação; palavras de santidade e não de perversão; palavras de ânimo, de conforto, de alegria, de fé, de sabedoria, de perdão, de esperança.

Gente da palavra abençoa. Até aos seus inimigos. Gente da palavra nunca define um filho com palavras do tipo: “você não presta!”, “você não vai dar nada na vida!”. Na verdade, não diz isso para ninguém. Nunca menospreza, diminui, calunia, ridiculariza. Para Jesus, isso é uma forma disfarçada de homicídio. “...e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo” (Mt 5:22).

No programa “Toma Lá, Dá Cá”, da TV Globo, uma das cenas “hilárias” que não podem faltar é o momento em que Mário Jorge olha para sua filha Isadora —, uma jovem de poucos recursos intelectuais, sempre envolvida com pequenos delitos e encarregada das falcatruas da família —, e repete o bordão: “Mau caráter!” A parte variável, que se segue, é algo assim: “Quando você nasceu, eu sabia que você ia ser uma delinquente compulsiva. Eu peguei você no colo, vi seus olhinhos juntos e falei pra sua mãe: isso vai ser um grande problema!”. É bom lembrar que a arte imita a vida, também no que ela tem de mais sombrio.

Se entendemos que a palavra é mediadora (construtora ou destruidora) da realidade humana; que é capaz de iluminar ou de trazer trevas, se o seu uso é tão sério ao ponto de ser a língua que a profere o leme do navio, então, ser gente da palavra é ser gente que a preza, como Jesus o fazia. É ser gente que sabe que não deve ter na boca palavras torpes, “e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem” (Ef 4:29).

Ao povo da Palavra; a essa gente de palavra, deixo uma paráfrase do apóstolo Paulo: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento e o que saia da vossa boca” (Fp 4:8).

Que Deus tenha misericórdia de nós e nos anime a revitalizar tão caro e elevado padrão. Que sejamos capazes, cada vez mais, “de falar entre nós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 5:19,20). Sabendo que essas palavras podem lançar as bases de uma nova civilização: o reino de Deus entre nós, navegantes do Século XXI.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

É o jeito!

por Ariovaldo Ramos

Mt 8:2

E, eis que veio um leproso...

- Os leprosos tinham de gritar: leproso! Enquanto passavam. Caso não o fizessem, e fossem denunciados, seriam apedrejados, por atentado à saúde pública. Ele aproximou-se de Jesus sem se anunciar demonstrando crer que Jesus era confiável e não o denunciaria. E estava certo!

- Jesus é confiável, qualquer pessoa pode se aproximar dele sem medo de ser exposto. Ele aceita as pessoas sem pré-condições. O ser humano basta por existir. Todo mundo devia ser assim: aceitar o outro pelo simples fato de ser humano.

e o adorou,

- Jesus provocava ímpetos de adoração, e o Leproso o adorou, postando-se de joelhos diante dele. E estava certo! Jesus é para ser adorado! Esse é o jeito certo de se aproximar do Cristo!

dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo.

- Esse é o jeito certo de pedir qualquer coisa a Jesus: dando-lhe a prerrogativa da decisão: se quer ou não. A questão não é se ele pode ou não, mas se é da vontade dele fazer ou não. Ele é o Senhor!

- Mas, e se Jesus não quiser fazê-lo? Jesus nos aceita sem pré-condições. E nós? Aceitamos Jesus no seu senhorio? Mesmo quando ele diz não?

3 E Jesus, estendendo a mão, tocou-o...

- Jesus tocou o intocável! Tê-lo recebido já era um marco,abraçá-lo, uma cura! E é isso o que Cristo faz: nos recebe e nos salva! E é o que devemos celebrar! Tudo mais é se Deus quiser, essencial é a salvação!

dizendo: Quero; sê limpo. E logo ficou purificado da lepra.

- Jesus queria. curá-lo, e o fez, mas podia não fazê-lo. Assim como Jesus nos aceita incondicionalmente, temos de aceitar o seu senhorio.

4 Disse-lhe então Jesus: Olha, não o digas a alguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote, e apresenta a oferta que Moisés determinou, para lhes servir de testemunho.

- Jesus devolve o homem à sociedade. Manda-o cumprir o ritual que o declara apto a viver entre todos. Ele está pronto para ocupar o seu lugar e o seu serviço junto à comunidade. É para o que somos salvos. Para o serviço ao próximo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PESSOAS NÃO MUDAM

Por Ed René Kivitz

Todos tendem a permanecer sendo o que sempre foram; é preciso aprender a conviver com os outros como eles são

Pessoas não mudam. Elas falam em mudar, mas não mudam. Na verdade, mudam apenas quando não têm outra alternativa. Essa é a tese de Po Bronson em seu livro O que devo fazer da minha vida? (Editora Nova Fronteira), onde relata quarenta histórias tiradas de 900 entrevistas com gente de tudo que é tipo.

Na verdade, Po Bronson é um otimista. Em novembro de 2004, a megacorporação IBM realizou sua conferência de “Inovação Global”, quando reuniu alguns dos melhores cérebros do planeta para propor avanços científicos e tecnológicos capazes de solucionar os grandes problemas mundiais. No topo da agenda estava o setor da saúde, que custa aos Estados Unidos 1,8 trilhão de dólares anuais (três vezes o PIB do Brasil). A grande conclusão a que chegaram foi que muito desta dinheirama seria economizada se as pessoas estivessem dispostas a mudar seus hábitos alimentares e seu estilo de vida. Mas uma pesquisa realizada para subsidiar a discussão mostrou que, mesmo diante da morte iminente, apenas uma entre 10 pessoas mudam seu jeito de pensar e agir. Em outras palavras, para a pergunta: “Se fosse dada a você a opção de morrer ou mudar, o que escolheria?” De cada 10 pessoas, apenas uma escolheria mudar.
Sou tentado a concordar. Ao longo de mais de 20 anos de atividade pastoral, vi muito pouca gente mudando de verdade. Mudanças cosméticas, apenas comportamentais, vi aos montes – mas estruturais, foram poucas. As pessoas tendem a ser o mesmo que sempre foram: os tímidos continuam tímidos, os eufóricos permanecem eufóricos, as mulheres dominadoras seguem dominando, os maridos passivos continuam no cabresto, os trabalhadores continuam trabalhando, o hipocondríacos continuam lendo bulas e por aí vai. Freud explica. Literalmente.

Outro dia fui interpelado por uma jovem após uma de minhas palestras. Seu semblante demonstrava apreensão e sofrimento. Foi direta ao ponto: tinha um noivo um pouco violento, que já a havia agredido duas vezes, mas que sempre chorava, pedindo perdão e prometendo não repetir as agressões. Depois, fez a pergunta: “Pastor, devo me casar com ele?” Contrariando um procedimento padrão, respondi de maneira direta: “Apenas se estiver disposta a apanhar pelo resto da vida”. É claro que acredito que aquele sujeito pode mudar. Mas como não podemos ter certeza disso, disse à moça que deve se casar somente na hipótese de acreditar que poderá conviver com o marido, mesmo que ele não mude.

Depois daquela conversa, reavaliei minha fé, minha crença no poder transformador do Evangelho e na força da graça. Onde já se viu, um pastor pessimista quanto à mudança das pessoas! Logo eu, que acredito que a transformação pessoal à imagem de Cristo é essencial à mensagem cristã e que o maior problema do ser humano não é o diabo, nem o mundo mau, nem nada que exista do lado de fora, mas seu inimigo íntimo, que habita suas entranhas. Após tantos anos presenciando conversões extraordinárias, cheguei ao ponto de duvidar que as pessoas mudam; ou pior – acreditar que a verdade maior é que as pessoas não mudam mesmo.

Precisei percorrer todo o caminho novamente. Revisei o que me ensinaram, e cheguei a conclusões preliminares que, pelo menos a mim, me fizeram mais sentido. Primeiro, considero que as mudanças de que fala o Evangelho não são necessariamente estruturais, na personalidade ou na índole das pessoas, mas em seus valores, seus amores, e portanto, seus objetos de devoção. A grande mudança do Evangelho não é “eu deixar de ser eu”, mas eu me render à vontade do meu novo Senhor, isto é, não mais o meu eu, mas o Cristo, que vive em mim.

Muita coisa na vida muda, mas continuamos sendo nós mesmos. A conversão não implica na despersonalização. Ela não apaga tudo o que vivemos e nos fez o que somos. Mas após a rendição a Cristo, toda a vida passa por uma revisão, e, necessariamente, deixa-se de fazer muita coisa. E passa-se a fazer outras. Não por obrigação ou culpa, mas por uma nova orientação da vontade: afinal, mudou o objeto de devoção. As figuras “morte e ressurreição”, ou “novo nascimento”, que simbolizam o antes e o depois da experiência mística-espiritual cristã, significam passar a viver orientado para outra direção. Não é que tenhamos mudado – o que mudou foi a maneira como convivemos com o que sempre fomos, e provavelmente vamos continuar sendo. O extraordinário nisso é que já não somos mais obrigados a ser o que sempre fomos. Não estamos mais escravizados a realizar a sina da nossa personalidade nem a cumprir o vaticínio das marcas que a vida deixa. Somos livres: livres para nos reinventarmos, livres para virmos a ser e, inclusive, livres para continuar sendo o que sempre fomos. O que muda é que nos relacionamos de maneira tão diferente conosco mesmos, que as pessoas ao nosso redor dirão que parecemos outra pessoa. Conhecemos a verdade, e a verdade nos libertou. Na verdade, as pessoas mudam, mas em número, profundidade e velocidade inferiores ao que desejamos: pouca gente, mudanças razoavelmente superficiais e lentas. Portanto, aprenda a conviver com as pessoas do jeito que as pessoas são. Não passe a sua vida tentando mudar os outros: seu cônjuge, seus filhos, seus amigos, seu chefe ou colegas no trabalho. Deixe isso nas mãos de Deus, à mercê da graça. Conviva a partir da gratuidade: paciência nos processos, perdão, mais amor, entrega e serviço do que cobranças, exigências e condições. Aprenda a se relacionar com os outros do jeito que eles são. Não tente fazer novas as pessoas. Faça novos acordos. Você vai ver como sua vida vai mudar. E os outros também.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A PREOCUPAÇÃO COM A APARÊNCIA: LIMITES PARA O CRISTÃO

Por Heleny Uccello Gama

Frequentemente, seres humanos padecem por não conseguirem enquadrar-se nos atuais padrões estéticos divulgados pela mídia. Nossa sociedade valoriza os muito jovens, magros e belos. Trata-se da ditadura da beleza. Augusto Cury, em romance com esse título, focaliza a síndrome do padrão inatingível de beleza, que acomete especialmente as mulheres; segundo ele, mais de 98% das mulheres em todo o mundo não se consideram belas e rejeitam suas características físicas.

Outro fato inegável é que, para homens e mulheres, o envelhecimento deixa marcas com as quais às vezes é difícil conviver. Quanto a crianças e adolescentes, estes também já enfrentam dificuldades para aceitar sua aparência. No início da adolescência, os pés parecem grandes demais, os membros superiores e inferiores, desengonçados; a altura ou é excessiva ou insuficiente, os cabelos são lisos demais ou de menos, a ditadura da magreza se impõe.

Em qualquer fase, se sentimentos negativos quanto à aparência pessoal não forem superados, pode haver rebaixamento da autoestima, o que talvez motive a busca de intervenções estéticas desnecessárias.

Além do tradicional público de mulheres, o número de homens e de adolescentes que se submetem a procedimentos cirúrgicos estéticos é crescente. O site www.cirurgiaplastica.com.br divulga que o Brasil hoje ocupa o segundo lugar no ranking mundial de cirurgias plásticas, perdendo somente para os Estados Unidos, e que nosso país é considerado o número um quanto ao aperfeiçoamento de novas técnicas e à qualificação dos cirurgiões.

Em face dessas informações, qual deve ser a posição de cada um de nós, cristãos, com respeito à aparência pessoal? É lícito preocupar-se com isso? Quais os limites para adoção dos procedimentos estéticos ao nosso dispor?

Alguns cristãos fundamentalistas criticam o que chamam de movimento da autoestima. Segundo eles, o foco é deslocado de Deus para o homem quando se diz que é preciso amar a si mesmo para que seja possível obedecer ao mandamento de amar ao próximo. A premissa fundamentalista é que não precisamos focar o amar a nós mesmos, pois quem cumpre os mandamentos de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo faz tudo certo com relação a si próprio também.

É possível que no meio cristão, infelizmente, algum orador, livro, sermão ou aconselhamento desloque o foco de Deus para o homem, dos mandamentos bíblicos para os desejos humanos. Em contraponto, como mesmo nós os salvos por Jesus, pela condição de ainda pecadores, não cumprimos na totalidade os dois mandamentos nos quais Cristo resumiu toda a lei e os profetas (Mateus 22.37-40), pelo menos em alguma medida, se não integralmente, disso nos advêm doenças emocionais e físicas.

Pela impossibilidade de na vida terrena se atingir a estatura da plenitude de Cristo (Efésios 4.13), ninguém faz tudo certo com relação a Deus, ao próximo e a si mesmo. Sendo assim, a crítica da autoestima me soa um tanto reducionista. Penso que devemos buscar posição equilibrada. Nem mudar o foco de Deus para o homem nem adotar o fundamentalismo iracundo que observo em certos autores; nem submissão à tirania do belo nem rejeição dos avanços científicos que possam trazer alívio de problemas e complexos.

Não creio que seja possível estabelecer regras rígidas quanto à adoção de procedimentos estéticos, mas entendo que, como tudo o mais nas nossas vidas, essas decisões devem ser pautadas pelos princípios bíblicos e por senso de equilíbrio. Em Romanos 12.3, encontramos: ... exorto a cada um dentre vós que não considere a si mesmo além do que convém; mas, ao contrário, tenha uma autoimagem equilibrada, de acordo com a medida da fé que Deus lhe proporcionou. À luz das palavras do apóstolo Paulo, cada um na medida da sua fé deve ir ajustando a autoimagem. Manter conhecimento e apreciação de si mesmo como de fato é: alguém definiu assim a pessoa humilde, ou que possui humildade, característica tão exemplificada e recomendada por Jesus (Mateus 5.3, João 13.1-5).

Antes de mais nada, nossas ações devem ser orientadas pela fidelidade a Deus. Buscai, assim, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas (Mateus 6.33). Parece-me possível honrar a Deus - em primeiro lugar - e também cuidar de si mesmo, confiando n’Ele e submetendo-lhe as decisões pessoais a serem tomadas.

Se um cristão está convicto de que certa correção estética melhoraria a sua autoimagem (necessidade), se honra as obrigações para com a família, a igreja e a sociedade, e se dispõe de recursos financeiros para adotar procedimento estético cogitado (possibilidade), a presença desse binômio necessidade/possibilidade, expressão que tomo emprestada do direito, parece-me indicar que a decisão por submeter-se ao procedimento possa ser tomada.

É importante também avaliar a razoabilidade das intervenções estéticas desejadas. Em casos de transtorno da imagem, convém passar por aconselhamento ou terapia de apoio psicológico e assim, quem sabe, a autopercepção se ajuste e procedimentos cirúrgicos venham a ser dispensados. Quanto à correção de reais problemas estéticos, deve-se tomar o cuidado de consultar profissionais competentes e idôneos, para evitar exageros ou seqüelas.

Finalmente, é bom lembrar que cada um de nós possui beleza física e psíquica particular e única, nas palavras de Augusto Cury; e, mais ainda, devemos ter sempre em mente que a beleza de um ser humano não está na aparência nem nos demais recursos, bens ou características que possua, mas em que, conforme Isaías 43.7, foi criado por Deus para a Sua glória.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Inveja

Por Rubem Amorese

"Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem;
inveja é querer que o outro não tenha"(Zuenir Ventura)

Diferentemente da ira ou da gula, a inveja é uma condição emocional sorrateira. Ela queima como fogo de palha, por baixo, sem fumaça.

A ira produz erupções violentas; a gula compromete nosso manequim; a preguiça faz nosso chefe reclamar; a luxúria nos afasta até da família mais liberal; mas a inveja dificilmente aparece, pois o comportamento de um invejoso não difere muito de um crítico, de um ressentido, de um coração magoado.

Nenhuma dessas condições é, propriamente, inveja. Mas esta pode estar “orquestrando” a todas aquelas, por trás. Ela pode até mesmo produzir elogios e dar presentes. Este foi o caso de Saul, em relação a Davi. O rei entregou ao rapaz um comando em seu exército e lhe ofereceu a mão de sua filha em casamento — na esperança de fazê-lo “ir a óbito” (1Sm 18:5-29).

Como não sabe criar, o diabo distorce. Então, para produzir a inveja ele corrompeu a admiração, transformando-a no segundo pecado mais daninho que o ser humano já provou. Admirar é a capacidade de se deixar impactar pelo excepcional, pelo espantoso, de uma forma generosa, abnegada e contente.

Diz-se que a inveja só perde para o orgulho, em poder de destruição, em poder de potencializar o que há de pior no ser humano. A inveja é o maestro de nossos outros pecados. E corta para os dois lados: o do invejado e o do invejoso. A inveja é potencialmente homicida e suicida, ao mesmo tempo. Esse potencial raramente atinge seu clímax, revelando-se apenas como sentimento mesquinho, do tipo “se não posso ir a esse churrasco, que chova”.

Esse pecado advém de uma necessidade de nos compararmos com os outros. E ao encontrarmos neles motivos de admiração, sofremos, em vez de, simplesmente, nos alegrarmos. E aí está a obra do diabo: o invejoso sempre se compara e sofre com o bem dos outros que, para ele, é sempre maior e melhor (um problema de auto-estima). A grama do quintal do vizinho é sempre mais verde.

Assim, tudo começa com algo vindo de Deus: a capacidade de admirar e de se admirar. E nunca admiramos o trivial ou mesmo algo bom que tenhamos ou sejamos. Normalmente, só o narcisista admira algo que ele próprio tem ou é. Admira-nos aquilo que não encontramos em nós mesmos, como capacidades artísticas, dons, beleza, inteligência, posses etc. Em especial, quando alguém nos “vence” em algum ponto em que nos consideramos fortes.

É aí que o inimigo semeia a inveja, fazendo com que essa admiração se transforme de alegria em sofrimento, sem muita consciência da razão. Passo seguinte, inconscientemente desejamos “vencer” essa competição. Mas o inimigo não nos dá força para tal. Sugere-nos, ao contrário, o expediente de Caim. Ou o de Saul; com a língua desempenhando o papel da lança. Ou, se precisarmos de ajuda, que fundemos a fraternidade dos “irmãos de José”.

Sentir inveja é pecado. Mas tornar-se invejoso é mais grave ainda. Vemos em Pv 14:30 que ela nos faz adoecer: “a inveja é a podridão dos ossos”. E isso acontece quando esse pecado se instala em nossa alma. De alguma forma perversa, essa atitude “nos ajuda a viver”, criando em nosso coração mecanismos de auto-justificação. E o invejoso passa a achar que “o que fizeram com ele justifica sua reação”. Afinal, todos lhe estão devendo.

Aninhada na placenta do nosso coração, ela agora se multiplica em ninhada. Surgem, por exemplo, o ódio, a ira, o homicídio e uma infinidade de pequenas transgressões (cometidas pelo invejoso covarde), com um só objetivo: humilhar ou destruir o invejado. Vêm, então, a difamação, a calúnia, o desmerecimento, a crítica destrutiva, a palavra amarga e uma indisfarçável alegria com o infortúnio do outro. Do “inimigo”.

Resultado, esse pecado nos lança num mundo de trevas. Já não nos alegramos com o que temos ou somos (a não ser que ninguém mais tenha ou seja — mas aí já não tem graça); já não somos gratos a Deus pelo que nos deu (como pôde o Senhor abençoar aquela criatura!?); já não somos edificantes, e sim desconstrutores. Passamos boa parte da vida a nos comparar com os outros. E nossa baixa auto-estima nos faz “admirar” as coisas boas que encontramos neles — e isso nos consome! Está ficando pesado? Uma paradinha.

Dois amigos passeavam na calçada quando um deles chutou uma espécie de lata velha. Era uma lâmpada de gênio, que, tendo sido acordado, apareceu e disse: estive preso nessa lâmpada por muitos séculos e estou muito cansado. Portanto, vocês têm direito a apenas um pedido. Façam logo, pois não tenho tempo a perder. Um dos amigos, animado, pediu para ficar rico, e foi logo atendido pelo gênio. O segundo amigo viu aquilo tudo e pediu: quero que meu amigo volte ao que ele era antes.

Outra versão, mais dramática, diz que o gênio impôs uma condição para o pedido único: tudo o que um deles pedisse seria dado também e em dobro para o outro. Aí, o amigo invejoso se adiantou e pediu: quero que você me tire um olho.

Aí está a sabedoria popular a nos ensinar que o invejoso não consegue construir. Bastaria aproveitar a chance única e ser muito feliz. Mas a felicidade do companheiro torna-se um problema. E ele prefere destruir. Nem que precise sofrer.

Mas nem tudo está perdido. Deus colocou recursos espirituais à nossa disposição para vencermos a inveja. Eis alguns, encontrados na literatura como virtudes antagônicas a esse pecado: amor, gratidão, compaixão, misericórdia e lamento.

Examinando cada uma delas, faço minha opção pelo amor diligente. Aquele amor dinâmico, capaz de me transformar, pela busca do poder do Espírito de Deus. Ouça Jesus: “...eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. Ouça Paulo: “abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis”. Ainda Paulo: “...pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber...”

Se eu examinar meu próprio coração(*) e me descobrir invejoso e, por isso mesmo, agredido, humilhado e perseguido por gente que, de “tão boa”, se tornou meu algoz — e quiser mudar—, buscarei o Senhor em meu quarto e lhe pedirei que me ajude a abençoar, a falar bem “pelas costas”, a elogiar esse “inimigo”. E pedirei mais: que Deus me dê oportunidades e meios (emocionais) de lhe “lavar os pés”. Sabemos que, na medida da resposta de Deus, a minha redenção se manifestará na forma de serviços a esse “inimigo”. Serviços que remodelarão meu coração egoísta em abnegado e generoso, capaz de, solidariamente, alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. Serviços como aqueles com que meu Mestre serviu. E nessa atitude, “teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6: 4, 6 e 18).

Assim, mais uma vez, da cruz de Cristo e também da minha; da humilhação, agora voluntária, há de vir a vitória.

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(*) O Ministério da Saúde Espiritual adverte: este texto não deve ser utilizado em diagnósticos de terceiros. Serve apenas para introspecção. Não desaparecendo os sintomas, procure seu pastor.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Nana, nenê, Papai já vai chegar

Por Luiz Sayão


A infantofobia está generalizada na sociedade contemporânea. Seu odor nausenate é a presença crescente da pedofilia. A discriminação é total: os nenês não têm vez no mundo de hoje. Nações ricas agonizam, pois seus cidadãos se recusam a ter filhos, condenando o futuro a ser povoado por idosos, aposentados e enfermos! Enquanto isso, a mídia em geral apresenta com frequência a defesa dos direitos dos mais diversos grupos: o direito dos negros, dos árabes, das mulheres, dos índios, dos adolescentes e de muitos outros grupos são plenamente manifestos. Mesmo que não seja uma unanimidade, as mais diversas preferências sexuais também recebem uma apologética contundente. Animais silvestres, plantas raras, gatos e cachorros também são contemplados – afinal, eles merecem seus direitos. Até mesmo objetos cúlticos populares são protegidos legalmente contra a prática da discriminação.

Já no caso dos nenês, isso não acontece. Os milhões de abortos praticados são entendidos e explicados a partir dos “problemas sociais”. Ora, esses nenês não existem! Só seriam gente se nascessem. Além disso, as centenas de nenês abandonados pelos pais merecem apenas dó; mas, a mãe, é claro, não tem culpa. Estava em depressão! Precisamos, todos, entender “o lado dela”. Se ela tivesse matado uma ararinha azul, aí sim!, seria um crime inafiançável, uma agressão contra o meio-ambiente. Mas, abandonar uma criança... Logo surgirá alguém advogando a ideia de que é preciso entender o que a levou a tomar tal atitude, “Não podemos julgá-la”, não é verdade?

Os nenês jogados pela janela pelas mães ou maltratados em casa deviam ter maturidade para entender que aquelas mulheres que os puseram no mundo sofrem com problemas de depressão e com o estresse. Que meninos malcriados! Infelizmente, não existe o sindicato de defesa dos nenês para reclamar o direito dos mesmos. Assim, a infantoclastia se generaliza numa sociedade egoísta, narcisista e sem amor natural.

Na Bíblia, porém, não é assim. Os nenês têm lugar especial, ainda que a maioria dos religiosos e teólogos não se importe muito com eles também. Nem mesmo os teólogos libertários, mais atentos a causas sociais, dão a atenção devida aos nenês! No caso de Deus, é diferente. É impressionante como o Senhor gosta de criancinhas. Para começar, sua primeira ordem para o primeiro casal criado era simples: “Sejam férteis e multipliquem-se” (Gênesis 1.28), ou seja, era como se o Criador dissesse: “Tenham nenês”. Quando Deus constrói sua história de salvação através da Bíblia, os nenês têm papel importante. E tem outra coisa – nunca nenhum nenê voltou-se contra Deus. Eles são gente finíssima! A preocupação dos patriarcas escolhidos por Deus no livro de Gênesis era ter nenês. A promessa de Deus começa com uma aliança com Abraão, a prometer-lhe um filho (Gênesis 15.4). Nessa aliança, Abraão, o homem de fé, só ficou realmente feliz quando nasceu o nenê de Sara, sua mulher. A alegria foi tanta que a criança passou a ser chamada de “riso”, que é o que significa o nome Isaque. Depois, quando Rebeca, mulher de Isaque, encontrou dificuldades para engravidar, a bondade de Deus manifestou-se na forma de dois nenês: Esaú e Jacó.

A história da redenção divina poderia concentrar-se apenas em grandes batalhas ou em visões metafísicas, mas Deus faz questão de mostrar a primazia do nenê. Toda vez que alguma coisa especial estava para acontecer aos hebreus, surgia um nenê. Quando o povo de Israel viu-se subjugado pelos egípcios, quem surgiu para libertá-los? Um arcanjo poderoso? Um guerreiro invencível? Que nada! De novo, um nenê – Moisés, que aliás era um menino bonito e extraordinário. E coube a ele, já adulto, a grandiosa tarefa de conduzir o povo de Deus para longe de seus algozes. O detalhe é que os homens maus odeiam os nenês. O faraó quis matar todos os garotos hebreus nascidos no cativeiro, mas Deus, que ama nenês, fez com que Moisés sobrevivesse justamente porque a filha do rei egípcio se afeiçoou à criaturinha que resgatou das águas. E o que dizer de Herodes, que séculos depois mandou matar todos os nenês de Israel, na tentativa de liquidar o recém-nascido Rei dos Judeus (Mateus 2.16-18)?

A história continua, e no final da época dos juízes – o momento mais crítico da história do povo de Israel –, outro nenê, muito desejado por Ana, sua mãe, fez a diferença. O nenê Samuel chegou e, entregue pela própria mãe para ser criado no Templo do Senhor, foi usado por Deus para conduzir espiritualmente os hebreus na construção de sua nação. A supervisão divina na formação de um nenê merece atenção especial na Bíblia. O salmista dá-nos os detalhes, valorizando o nenê ainda não nascido, digno perante Deus e sem valor para os homens maus: “Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir” (Salmo 139.13-16).

No aspecto teológico, os nenês também estão numa situação privilegiada. Por exemplo, a relação dos fiéis genuínos com Deus tem como paradigma as crianças de colo. Ninguém como elas parecem representar verdadeira espiritualidade – o que valeu a advertência de Cristo a seus discípulos: “Cuidado para não desprezarem um só destes pequeninos! Pois eu lhes digo que os anjos deles nos céus estão sempre vendo a face de meu Pai celeste” (Mateus 18.10). Quando chegamos ao campo da hermenêutica, ou da recepção e compreensão da revelação divina, novamente a vantagem é de quem é mais parecido com um nenê: “Naquela ocasião Jesus disse: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos [literalmente, os nenês]. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado’” (Mateus 11.25,26).

Hoje em dia há uma grande discussão litúrgica na igreja. Qual é o louvor correto? Que instrumento usar? Que estilo de música é o melhor para a adoração? Tradicional? Avivado? Contemporâneo? Devemos louvar de frente? De costas? Sem costas? De lado? Tudo bobagem! Quem tem a resposta? Adivinhe – de novo, os nenês. Basta ler a Bíblia. “Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor” (Mateus 21.16). Aqui é até mais fácil entender: nenês não vendem CDs, não cantam para aparecer, são absolutamente sinceros e não têm aquele palavreado vazio de crente!

Talvez essa primazia dos nenês e a predileção divina por eles explique o ódio contra os pobres pequeninos. Imaginem só: no mundo dito civilizado, é um “direito” matar nenês antes que nasçam, e tudo dentro da lei, como na época no Estado nazista de Hitler, com sua política eugenista. Hoje, as nações do Primeiro Mundo estão sofrendo por falta de nenês. Perderam a esperança e o futuro. As pessoas instruídas, cultas e ricas não gostam de nenês. Essa é a verdadeira opressão! Os psicólogos gastam horas de trabalho ajudando muitas pessoas com problemas sérios e terríveis porque foram maltratados quando eram nenês. Que horror! Infelizmente, há até comércio de nenês. Que horror! Seres humanos são vendidos, vivos e mortos. Cuidado! O Deus, que é o Deus dos nenês, pode ficar irado e resolver agir.

A grande verdade é que o lugar dos nenês é tão especial que Deus resolveu mudar a história humana através de um deles. Em vez de descer diretamente do céu, ou de chegar repentinamente com um exército celestial para implantar seu Reino, o Senhor optou pela forma mais sublime de aproximar-se do homem: vir como um nenê. O evangelista Lucas descreveu o episódio com riqueza de detalhes: “Enquanto [Maria e José] estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê; e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lucas 2.6-7)

Diante disso, vale aqui lembrar as palavras de Madre Teresa de Calcutá, que parece ter percebido grande parte dessa importante realidade: “Temos medo da guerra nuclear e dessa nova enfermidade que chamamos de Aids, mas matar crianças inocentes não nos assusta. O aborto é pior do que a fome, pior do que a guerra”. Aqui vai um conselho espiritual: antes de ler a Bíblia e de fazer suas orações, procure um nenê, que de preferência esteja dormindo, e passe uns dois minutos em silêncio, olhando bem para ele. Você ficará mais pronto para meditar e falar com Deus. Mas deixe o nenê dormir em paz. Nana, nenê, que Papai do céu já vai chegar!

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Muito obrigado


Por Ed René Kivitz

Desde o ventre, lugar primeiro de nossa parasitagem existencial, carregamos na alma a tendência de receber o máximo e doar o mínimo. Preferimos encarar a vida como conquista e não dádiva. O que não é verdade.

A gratidão é uma virtude. Virtude é aquilo que não nos é natural, mas por alguma razão encontrou espaço dentro de nós e, de vez em quando,transborda em gesto na direção dos que nos rodeiam. Não somos, na verdade – e digo por mim –, naturalmente gratos. Os leprosos curados foram dez, mas apenas um voltou para agradecer. Mais naturalmente nos atiramos a desfrutar o presente do que a reconhecer a dádiva de que fomos alvo. Também não nos é natural o reconhecimento de que somos o que somos como resultado de muito investimento imerecido.

Desde o ventre, lugar primeiro de nossa parasitagem existencial, carregamos na alma a tendência de receber o máximo e doar o mínimo, alguns de nós, inclusive, acreditando que os outros têm obrigação de doar sempre. Poucos são os que sabem que não se bastam, que não conseguiriam sobreviver, crescer, amadurecer, florescer e frutificar para a vida sem o esforço, não poucas vezes anônimo e na maioria das vezes não reconhecido, daqueles que nutrem, ensinam, perdoam, perseveram na relação afetiva, subsidiam, compartilham riquezas e transferem créditos. É mais comum encontrarmos em nós mesmos a propensão à vaidade e ao orgulho de quem imagina que está onde está por mérito, esforço pessoal, trabalho árduo e um pouco mais de dedicação do que a daqueles que não chegaram tão longe. Preferimos encarar a vida como conquista, mais do que como dádiva. Temos o que temos porque fizemos por onde, fulano não fez mais que a obrigação, dinheiro não cai do céu, sucesso só vem antes de trabalho no dicionário, e outras expressões, que pululam a mente e o coração dos ingratos.

A gratidão é uma virtude porque acontece somente depois de olharmos para trás e para os lados, e encontrarmos olhares e semblantes de tanta gente que nos abriu portas, ofereceu suporte, caminhou conosco até mesmo em sacrifício de suas próprias aspirações e esperanças. Também é verdade que são raras as pessoas que nos tratam assim. Predomina nas relações a superficialidade dos sorrisos cosméticos, a mesquinhez dos interesses egoístas, a ganância pela vantagem unilateral e o vício da negociação constante. A maioria dos que nos rodeiam não funciona na perspectiva da relação compassiva e solidária, mas da negociação – é dando que se recebe, e quando não há possibilidade de receber de volta nem lucrar, então não há razão para doar.

A gratidão é possível após a experiência da gratuidade: o favor que não é explicado senão pela boa vontade de quem favorece, sem qualquer merecimento do favorecido. De vez em quando, somos invadidos por esse senso de gratuidade: uma alegria que nos faz tremer e imaginar o que teríamos feito para merecer tamanha beatitude; um êxtase que nos arrebata, deixando a indelével lembrança que nos sustenta por dias a fio, mesmo tendo durado poucos segundos; um contentamento que se instala sorrateiro e que nos abraça, no abraço de alguém que amamos; uma quase vergonha de sermos tão bem cuidados pela vida, pelos outros, por Deus, na certeza de que o que experimentamos não se explica pelo princípio da causa e efeito, pois sabemos quem somos e sabemos que desfrutamos de muito mais do que deveríamos desfrutar. A gratidão é também a expressão de uma consciência que foi apoderada pela convicção de ter sido favorecida com abundância tal que jamais poderá ser recompensada. Tem coisa que não há como pagar e, nessas horas, tudo o que se pode fazer é agradecer e sorver o prazer.

Por essas e outras é que aprendi a dizer muito obrigado. Não sei se sou grato, mas pelo menos aprendi a agradecer. Sigo meu caminho dizendo a todos muito obrigado, na esperança de que um dia, de tanto expressar gratidão, Deus me conceda de fato um coração grato. Muito obrigado.

sábado, 11 de julho de 2009

Pobres ateus

Por Ariovaldo Ramos

Disseram-me que o ateísmo está crescendo.

Fiquei a pensar... Quem quer o mundo oco e solitário dos ateus?

Não eu!

Eu quero o mundo povoado dos cristãos, dos judeus, dos muçulmanos, dos animistas...

Quero um mundo onde a gente não esteja só.

Um mundo com anjos de pé e caídos.

De entidades, de elfos, de mística, de mágica, de mistérios...

Quero o mundo onde os tambores invoquem.

Onde a multidão de línguas estranhas dos pentecostais façam os seres da escuridão retroceder.

Quero o mundo que produziu Beethoven que, surdo, dizia ouvir a música que Deus queria escutar, a quem aplaudiu na nona.

Que produziu Shakespeare, que disse que havia mais entre o céu e a terra, do que supõe a nossa vã filosofia, e que valia morrer por amor.

Que desafiou Mozart a zombar de Deus enquanto, qual o profeta Balaão, só conseguia emitir os sons que boca de Deus entoa!

Quero o encanto catártico de Haendell gritando ALELUIA! de forma arrebatadora!

A beleza de Bach nos fazendo ver a paz da Família Eterna.

Quero mundo das lindas e majestosas catedrais e dos pregadores das praças, das esquinas, dos caminhos...

Da riqueza sonora profunda dos cantos gregorianos e dos vociferantes pregadores: convocando os homens a mudar e o Espírito Santo a se levantar contra o mal.

Quero o mundo que faça um ser humano, diante da pior das borrascas, ver o seu salvador andando sobre o mar, anunciando a possibilidade.

Aquele em que o guerreiro, diante da incerteza, se ajoelha perante o Eterno e se levanta com um brilho nos olhos, certo de que tem uma missão, um motivo para brandir a espada, porque se há de correr o sangue humano, tem de haver uma razão, que dando significado a vida o faça não temer a morte.

Um mundo de poetas e romancistas, que fazem a morte gerar vida, que contam histórias porque, em meio ao mais insano, há algo para contar, e se há o que contar, então significa; e se há como contar, então há um significante anterior, de modo que, por mais que cada leitor possa, de alguma maneira, reinventar, ninguém consegue negar que leu e, se leu, podia ser lido.

Quero a fé que faz uma menina entrar numa das melhores faculdades do pais, sonhando que, um dia, tudo o que sabe ajudará um ser desprovido de tudo, num dos miseráveis cantões do planeta, a sorrir com esperança!

Quero a loucura dos missionários que abandonam tudo no presente, certos de que levarão milhares a viver o futuro.

Quem quer o socialismo frio do ateus?

Eu quero o socialismo dos crentes que, em meio à marcha dos trabalhadores e, diante do impasse do confronto com as forças do estabelecido, grita ao megafone: companheiros, avancemos! Deus está do nosso lado!

Da ciência não quero as equações, quero o grito de "Eureka!", onde o cálculo se mistura com a revelação.

Da matemática quero a música, a certeza de que há sons no universo, que não só os podemos cantar, mas que há quem nos ouve.

Que ouviremos a grande e última trombeta, que reunirá toda a criação para o canto da redenção.

Eu não quero capitalismo nenhum, mas prefiro o dos seres humanos que acreditavam que o trabalho é um culto ao Criador e que o seu produto tinha de gerar um mercado a serviço do bem.

Quem quer o capitalismo consumista dos ateus, que reduz a vida ao aqui e agora, e transforma todos em desesperados que, pensando que não sobrará para eles, correm para acumular para o nada?

Os ateus dizem que evoluímos, mas que não vamos para lugar nenhum; que a ciência pode tudo; que verdade é a palavra dos vencedores; que os mais fortes sobreviverão, e que é o direito natural deles.

Não! Mil vezes não!

Quero o mundo onde os fracos tenham direito ao Reino; onde os mansos herdarão a terra; onde os que choram serão consolados; onde os que têm fome e sede de justiça serão fartos; onde os que crêem na justiça estejam prontos a morrer por ela; onde os mortos ressuscitarão.

Quem quer um mundo explicado, onde tudo é virtude ou falha de um neuro-transmissor qualquer?

Quero um mundo onde a fé , o amor e a paixão curem, mudem histórias e construam caminhos! Onde os artistas tenham o que registrar!

Um mundo onde o sol nasça e se ponha, onde as estrelas, polvilhando o infinito, apontem um caminho, falem da esperança de uma grande e decisiva família, e que qualquer ser humano ao ver isso, não se envergonhe de falar: maravilha! Um Deus fez isto!

Mas não quero a teologia técnica...

Quero o Deus apaixonado dos cristãos, que abandona sua Glória e se faz gente, trazendo a divindade para a humanidade e, ressuscitado, ao voltar, leva a humanidade para a divindade!

Quero o Deus inquieto de Israel, o pai dos judeus, com quem é possível lutar.

Quero do Deus que se permite ser detido por um Jacó.

Quero o Deus chorão de Jesus de Nazaré, que mesmo a gente tendo brigado com Ele, nunca conseguiu brigar conosco.

O Deus Pai, Mãe e Filho que repartiu conosco o privilégio de ser!

Quero o mundo do medo do desconhecido, e do maravilhar-se com o desconhecido: o mundo do encanto.

Como disse o pai da filosofia moderna, o que se descobre ser ao pensar, precisa de um mundo para aterrissar, precisa que haja alguém que faça pensar valer a pena, alguém que, ao fim, é da onde se pensa, e se ele não existe, então nada existe, porque o que pensa não tem como pensar a partir de si.

Quero o mundo que ri da finitude; que desdenha das limitações; que resiste ao sofrimento; que olha para o infinito sabendo que nossa existência não é determinada pela morte ou por nossas impossibilidades; que não somos frutos de um acidente.

Quero mundo que se sustenta na fé de que ressuscitaremos, de que brilharemos como o sol ao meio dia; de que vale a pena lutar pelo bem; de que vale a pena existir!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Com lenço e sem sofrimento! A cura divina no novo testamento

Por Luiz Sayão

É preciso entender a lógica da teologia da cura no Novo Testamento. Um dos ingredientes fundamentais é a fé

Um dos temas mais empolgantes do Novo Testamento é com certeza a cura divina. Jesus surge como o Messias prometido fazendo grandes prodígios, comprovando sua origem divina. O testemunho dos evangelhos é claro: Os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa” (Mt 11.5-6). Num mundo cheio de crises, doenças e insuficiências humanas, nada pode chamar mais atenção do que esta cura milagrosa realizada pela poder divino. Hoje, milhares de igrejas cristãs em todo o mundo pregam a cura divina, proclamam o poder físico de Cristo e colecionam muitos testemunhos impressionantes de milagres que, surpreendemente, parecem ter sido pouco investigados.

Todavia, a proclamação de cura sobrenatural não é exclusividade cristã. Muitos outros movimentos religiosos também proclamam a cura e fazem rituais com o propósito de sarar enfermidades. Muitas são as práticas mágicas, principalmente na realidade mística nacional, que são conhecidas e disseminadas em nossos dias.

Nos anos recentes muita gente tem ficado confusa com a questão da cura. A multiplicidade e a variedade dos movimentos evangélicos, aparentemente, tem sido marcada por um certo sincretismo. Muitos rituais realizados em ambientes evangélicos do ponto de vista fenomenológico se aproximam de rituais esotéricos e místicos não cristãos. Isso provoca dúvida e questionamento generalizado sobre a legitimidade bíblica e teológica do que está acontecendo.

Questionados sobre suas práticas, os evangélicos mais místicos certamente responderiam que estão agindo com fundamentação bíblica. Seguramente, eles apontariam para certos textos bíblicos, aqui selecionados (observar o grifo):

“Deus fazia milagres extraordinários por meio de Paulo, de modo que até lenços e aventais que Paulo usava eram levados e colocados sobre os enfermos. Estes eram curados de suas doenças, e os espíritos malignos saíam deles.” (Atos 19.11-12)

“Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados.” (Atos 5.14-16)

“Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará. E se houver cometido pecados, ele será perdoado.” (Tg 5.14-15)

Os relatos dos “lenços e aventais”, da “sombra de Pedro” e “da unção com óleo” em Tiago têm sido considerados difíceis pelos teólogos mais tradicionais. Geralmente sugere-se que estes textos são apenas históricos e contextualmente dependentes, o que os tornaria não normativos para nós hoje. Todavia, tal avaliação não subsiste. Vários argumentos teológicos sobre temas como batismo, governo de igreja, contribuição, entre outros, são feitos com base em passagens históricas de Atos, por exemplo. Como entender a questão? Seria o cristianismo do Novo Testamento semelhante aos cultos místicos de hoje?

Antes de tudo, é preciso entender a lógica da teologia da cura no Novo Testamento. Um dos ingredientes fundamentais é a fé. Por diversas vezes Jesus afirma ao doente curado que a fé do indivíduo havia causado a cura (Mc 5.34, e.g.). No contexto hebraico, a fé não é apenas um sentimento ou impulso mental. Fé para um judeu nos templos envolvia a ação concreta. Por isso, o termo hebraico ’emunâ pode ser traduzido tanto por fé e quanto por fidelidade. Assim, a cura era muitas vezes operada pela participação do doente que expressava a sua fé de modo concreto. Assim, surgem diversos “pontos de contato” entre o poder de Deus e a fé do que recebe a cura. As vezes a fé é demonstrada pelo “lenço”, pela “sombra”, pelo “óleo”, pela “saliva com barro nos olhos”, pelo “toque nas vestes”, “pelo levantar-se da maca”, etc. O doente é conclamado é expressar a fé de maneira concreta. Deve ser observado que em todos os casos os elementos concretos presentes na cura são sinais da fé que existe no doente ou em alguém que o auxilia. Nos textos acima citados, vemos Paulo não distribuiu (nem vendeu) lenços e aventais. Ao contrário, isso foi feito de modo espontâneo pelo povo. O mesmo pode ser observado no caso da sombra de Pedro. Até mesmo, no texto de Tiago, a unção com óleo não era praticada a partir dos líderes (presbíteros) da igreja. Ao contrário, a ação tinha início com o doente. Observe a clareza da NVI aqui: “que ele mande chamar os presbíteros”. Ao convocar os presbíteros para a unção com óleo, estava demonstrada sua fé. A lógica é semelhante ao convite que se faz a uma pessoa para “vir à frente” afirmando que recebeu a Cristo. “Vir à frente” é uma demonstração de fé concreta. Isso é bastante diferente do enfoque místico não cristão.

O enfoque de cura não cristão é diferente. A idéia é que há objetos abençoados, como que cheios de “energia” espiritual. Assim, surge um certo fetichismo em torno do objeto, que passa a ser “a fonte da cura”. É um certo animismo. Com esse enfoque, faz sentido vender objetos sagrados que tenham poder de cura. Essa postura é muito distinta da visão neotestamentária. Uma boa maneira de observa o contraste é observar o texto de Marcos 5.24-34.

“Uma grande multidão o seguia e o comprimia.
25 E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de hemorragia.
26 Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava.
27 Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele, no meio da multidão, e tocou em seu manto,
28 porque pensava: “Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada”.
29 Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento.
30 No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: “Quem tocou em meu manto?”
31 Responderam os seus discípulos: “Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim?’ ”
32 Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem tinha feito aquilo.
33 Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade.
34 Então ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento”.

Nesse texto vemos que “o manto” de Jesus curou a mulher que sofria de hemorragia. Como nos casos do “lenço”, da “sombra” e do “óleo”, aqui temos também o “manto”. Todavia, o texto deixa claro que o “manto” não tem poder para curar. Não é um objeto sagrado. A prova é que todo mundo estava tocando no manto (v. 31) e nada de especial estava acontecendo. Não havia qualquer energia espiritual armazenada na roupa de Cristo. Todavia, ao expressar sua fé, a mulher cria que bastava “tocar no manto” que seria curada. E ela foi! Sua cura se deu não por causa do manto, mas por causa de sua fé (v.34), conforme as próprias palavras de Jesus.

Portanto, a igreja pode e deve orar pelos doentes com fé. Pode até mesmo ungir pessoas com óleo, ainda que não obrigatoriamente. No entanto, suas práticas ligadas à cura divina não podem cair no animismo e no fetichismo pagão presentes na religiosidade popular. É necessário fugir desses equívocos sem deixar de crer no Deus pessoal e soberano que cura milagrosamente e que muitas vezes permite a dor prolongada. Às vezes, a cura é milagrosa como no caso do “lenço”, às vezes Deus trabalha em nossa vida pelo “sofrimento”.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Celebração e Liturgia Numa Sociedade Pluralista





Rubem Amorese

Uma das características dos tempos em que vivemos é a pluralidade. Este fenômeno se caracteriza pela imensa oferta de opções ao homem moderno. Opções a respeito de tudo. Ele pode escolher desde a cor da gravata até o sexo do bebê, passando pela quantidade de estrelas do seu macarrão ou índice de cafeína no seu "capuccino". Pode escolher entre centenas de marcas do sabonete (inclusive, adotar o estilo rústico de não-sabonete), orientações pedagógicas para seu filho, ideologia da sua revista semanal, o programa da noite, o sabor do chiclete (deste o tradicional tutti-frutti, até sabor picanha); pode escolher morar no campo ou na cidade, o presidente operário, caçador de marajás ou intelectual; viajar de jegue, de navio, ou de submarino; pode escolher entre diversos estilos de vida (tradicional-obtuso, tradicional-esclarecido, moderno, "prafrentex", revoltado, hippie, culto de esquerda, culto de direita, descuidado-charmoso, artístico-desligado etc.), ou mesmo seu próprio sexo, independentemente daquele de seu nascimento (esta escolha é chamada de "opção sexual").

A pluralidade se instala no homem moderno como uma inconsciente necessidade — ou compulsão, mesmo — de optar, alimentada pela mídia, e sustentada pela sociedade de mercado. Ao mercado interessa que o indivíduo esteja sempre pronto a experimentar algo novo, a mudar, a optar. Ele tem que viver em eterno estado de supermercado. A vida à sua frente tem que ser composta de prateleiras abarrotadas. E ele acha isso delicioso.

Este nosso cidadão também faz opções religiosas. Para isso também há prateleiras cheias de ofertas. Tem cristianismo tradicional (em bom estado), usado, avivado, renovado, recondicionado (mas com garantia de bênçãos); tem esoterismos (com poções ou sem poções mágicas); tem bruxas de meter medo (e bruxos simpáticos, também); tem até peças avulsas para seu "kit" religioso personalizado.

Ninguém escapa da força da pluralidade. Assim, quando acorda no domingo, o crente se predispõe a optar: — O que temos hoje, na prateleira? — lhe vem, inconscientemente ao espírito. E ele se dá conta que pode escolher como será sua manhã eclesiástica por diversos critérios à sua disposição: a igreja (templo, tenda, cinema, ar-livre, chácara etc.), o pastor (tradicional, falante, carismático, pedagógico, paternal etc.), a aula de Escola Dominical (em classes, sem classe, com ou sem professor, com auxílio audiovisual, flanelógrafo, revista etc.), o coral (ou conjunto de rock), os irmãos (fraternos ou arredios, distantes ou bisbilhoteiros etc.), o tipo de liturgia (dançante ou imóvel, "quente" ou "frio", com ou sem direito a arrepios, com corinhos ou com hinário, para assistir ou participar etc.).

Estabelece-se, assim, inevitavelmente, o mercado eclesiástico: o pastor acorda no domingo imaginando o que poderá oferecer de atraente aos seus "consumidores". Se ele não for criativo, começa a perder a concorrência. Se isso acontece, sua igreja perde em animação, perde em movimento; ele próprio perde prestígio no Conselho de Ministros da cidade (medido por número de membros ativos) e até na sua capacidade de influir na política local. Perde, inclusive, em dízimos e ofertas. Tudo fica comprometido. Desde os projetos missionários, até seu próprio sustento.

Este pastor precisa, portanto, estar constantemente atualizado sobre as novas tendências litúrgicas, para poder oferecer aos seus membros o que há de mais moderno e atraente. Ele precisa manter-se "na crista da onda". Se a "onda" é tremer, vamos tremer; se é roncar, que sejamos os primeiros; se é cair para trás, nosso povo já cai há muito tempo. Ah, o quente é redescobrir as formas litúrgicas medievais? Ora, já estamos até construindo uma catedral gótica, cheia de vitrais...

O leitor perdoe se o tom desta conversa vai ficando um pouco irônico. É que ele ajuda a ressaltar a parte ridícula de toda essa situação, no breve espaço de que dispomos. Não se trata de ser destrutivamente contra tudo o que é novo, mas de mostrar o perigo potencial embutido na situação. Na realidade, não me parece um mal em si o pastor se esmerar em oferecer uma liturgia dinâmica, atraente, viva e exuberante aos seus irmãos. O problema aparece, a meu ver, quando a lógica do mercado, acima esboçada, inverte a polaridade das relações no culto. Explico isto, com a metáfora da ópera.

Imagine um culto a Deus como uma sessão de ópera. Talvez esta seja a forma de expressão cultural mais evoluída e completa já alcançada por nossa civilização. Naquele momento mágico, há ambientação, há enredo; há drama, dança, música solada e sinfônica, há harmonia (entre músicos e atores-cantores), polifonia, sincronismo etc. e um público, que fornece o ambiente. Da conjugação destes e tantos outros fatores, resulta uma celebração completa, arrebatadora e bela. Nesse ambiente, todos celebram, de forma intensa, uma porção de seu patrimônio cultural.

Pois bem. Se um culto é semelhante a uma ópera, então temos um grande filão a explorar nesta metáfora. Por exemplo, o que podemos considerar como "harmonia" do culto (além daquela estritamente musical)? Quem são os apresentadores, no culto? Quem é o dirigente? Como se monta o enredo (o tema da peça)? Será ele uma comédia (no sentido de alegria) ou um drama? Quem decide? Quem participa?

De tantas perguntas, interessa-nos, aqui, uma, em especial: quem é a platéia? Na ópera, há um público que paga o bilhete. E no culto? Na ópera, esse público aplaude ou vaia, determinando a prosperidade ou o fechamento antecipado da temporada. E no culto?

Aí é que está. No culto, tanto o dirigente quanto a platéia são o próprio Deus. Todos os demais são apresentadores, atores, músicos, etc. Todos têm a responsabilidade de apresentar algo de belo a Deus. E este é o único que pode aplaudir ou vaiar. Os demais são parte do sucesso ou do fracasso.

À ovelha e ao pastor, cabe, no domingo pela manhã, perguntar-se: que opções tenho hoje? E escolher entre adorar ou não. "E todas as demais coisas vos serão acrescentadas..."