sexta-feira, 17 de julho de 2009

Muito obrigado


Por Ed René Kivitz

Desde o ventre, lugar primeiro de nossa parasitagem existencial, carregamos na alma a tendência de receber o máximo e doar o mínimo. Preferimos encarar a vida como conquista e não dádiva. O que não é verdade.

A gratidão é uma virtude. Virtude é aquilo que não nos é natural, mas por alguma razão encontrou espaço dentro de nós e, de vez em quando,transborda em gesto na direção dos que nos rodeiam. Não somos, na verdade – e digo por mim –, naturalmente gratos. Os leprosos curados foram dez, mas apenas um voltou para agradecer. Mais naturalmente nos atiramos a desfrutar o presente do que a reconhecer a dádiva de que fomos alvo. Também não nos é natural o reconhecimento de que somos o que somos como resultado de muito investimento imerecido.

Desde o ventre, lugar primeiro de nossa parasitagem existencial, carregamos na alma a tendência de receber o máximo e doar o mínimo, alguns de nós, inclusive, acreditando que os outros têm obrigação de doar sempre. Poucos são os que sabem que não se bastam, que não conseguiriam sobreviver, crescer, amadurecer, florescer e frutificar para a vida sem o esforço, não poucas vezes anônimo e na maioria das vezes não reconhecido, daqueles que nutrem, ensinam, perdoam, perseveram na relação afetiva, subsidiam, compartilham riquezas e transferem créditos. É mais comum encontrarmos em nós mesmos a propensão à vaidade e ao orgulho de quem imagina que está onde está por mérito, esforço pessoal, trabalho árduo e um pouco mais de dedicação do que a daqueles que não chegaram tão longe. Preferimos encarar a vida como conquista, mais do que como dádiva. Temos o que temos porque fizemos por onde, fulano não fez mais que a obrigação, dinheiro não cai do céu, sucesso só vem antes de trabalho no dicionário, e outras expressões, que pululam a mente e o coração dos ingratos.

A gratidão é uma virtude porque acontece somente depois de olharmos para trás e para os lados, e encontrarmos olhares e semblantes de tanta gente que nos abriu portas, ofereceu suporte, caminhou conosco até mesmo em sacrifício de suas próprias aspirações e esperanças. Também é verdade que são raras as pessoas que nos tratam assim. Predomina nas relações a superficialidade dos sorrisos cosméticos, a mesquinhez dos interesses egoístas, a ganância pela vantagem unilateral e o vício da negociação constante. A maioria dos que nos rodeiam não funciona na perspectiva da relação compassiva e solidária, mas da negociação – é dando que se recebe, e quando não há possibilidade de receber de volta nem lucrar, então não há razão para doar.

A gratidão é possível após a experiência da gratuidade: o favor que não é explicado senão pela boa vontade de quem favorece, sem qualquer merecimento do favorecido. De vez em quando, somos invadidos por esse senso de gratuidade: uma alegria que nos faz tremer e imaginar o que teríamos feito para merecer tamanha beatitude; um êxtase que nos arrebata, deixando a indelével lembrança que nos sustenta por dias a fio, mesmo tendo durado poucos segundos; um contentamento que se instala sorrateiro e que nos abraça, no abraço de alguém que amamos; uma quase vergonha de sermos tão bem cuidados pela vida, pelos outros, por Deus, na certeza de que o que experimentamos não se explica pelo princípio da causa e efeito, pois sabemos quem somos e sabemos que desfrutamos de muito mais do que deveríamos desfrutar. A gratidão é também a expressão de uma consciência que foi apoderada pela convicção de ter sido favorecida com abundância tal que jamais poderá ser recompensada. Tem coisa que não há como pagar e, nessas horas, tudo o que se pode fazer é agradecer e sorver o prazer.

Por essas e outras é que aprendi a dizer muito obrigado. Não sei se sou grato, mas pelo menos aprendi a agradecer. Sigo meu caminho dizendo a todos muito obrigado, na esperança de que um dia, de tanto expressar gratidão, Deus me conceda de fato um coração grato. Muito obrigado.

sábado, 11 de julho de 2009

Pobres ateus

Por Ariovaldo Ramos

Disseram-me que o ateísmo está crescendo.

Fiquei a pensar... Quem quer o mundo oco e solitário dos ateus?

Não eu!

Eu quero o mundo povoado dos cristãos, dos judeus, dos muçulmanos, dos animistas...

Quero um mundo onde a gente não esteja só.

Um mundo com anjos de pé e caídos.

De entidades, de elfos, de mística, de mágica, de mistérios...

Quero o mundo onde os tambores invoquem.

Onde a multidão de línguas estranhas dos pentecostais façam os seres da escuridão retroceder.

Quero o mundo que produziu Beethoven que, surdo, dizia ouvir a música que Deus queria escutar, a quem aplaudiu na nona.

Que produziu Shakespeare, que disse que havia mais entre o céu e a terra, do que supõe a nossa vã filosofia, e que valia morrer por amor.

Que desafiou Mozart a zombar de Deus enquanto, qual o profeta Balaão, só conseguia emitir os sons que boca de Deus entoa!

Quero o encanto catártico de Haendell gritando ALELUIA! de forma arrebatadora!

A beleza de Bach nos fazendo ver a paz da Família Eterna.

Quero mundo das lindas e majestosas catedrais e dos pregadores das praças, das esquinas, dos caminhos...

Da riqueza sonora profunda dos cantos gregorianos e dos vociferantes pregadores: convocando os homens a mudar e o Espírito Santo a se levantar contra o mal.

Quero o mundo que faça um ser humano, diante da pior das borrascas, ver o seu salvador andando sobre o mar, anunciando a possibilidade.

Aquele em que o guerreiro, diante da incerteza, se ajoelha perante o Eterno e se levanta com um brilho nos olhos, certo de que tem uma missão, um motivo para brandir a espada, porque se há de correr o sangue humano, tem de haver uma razão, que dando significado a vida o faça não temer a morte.

Um mundo de poetas e romancistas, que fazem a morte gerar vida, que contam histórias porque, em meio ao mais insano, há algo para contar, e se há o que contar, então significa; e se há como contar, então há um significante anterior, de modo que, por mais que cada leitor possa, de alguma maneira, reinventar, ninguém consegue negar que leu e, se leu, podia ser lido.

Quero a fé que faz uma menina entrar numa das melhores faculdades do pais, sonhando que, um dia, tudo o que sabe ajudará um ser desprovido de tudo, num dos miseráveis cantões do planeta, a sorrir com esperança!

Quero a loucura dos missionários que abandonam tudo no presente, certos de que levarão milhares a viver o futuro.

Quem quer o socialismo frio do ateus?

Eu quero o socialismo dos crentes que, em meio à marcha dos trabalhadores e, diante do impasse do confronto com as forças do estabelecido, grita ao megafone: companheiros, avancemos! Deus está do nosso lado!

Da ciência não quero as equações, quero o grito de "Eureka!", onde o cálculo se mistura com a revelação.

Da matemática quero a música, a certeza de que há sons no universo, que não só os podemos cantar, mas que há quem nos ouve.

Que ouviremos a grande e última trombeta, que reunirá toda a criação para o canto da redenção.

Eu não quero capitalismo nenhum, mas prefiro o dos seres humanos que acreditavam que o trabalho é um culto ao Criador e que o seu produto tinha de gerar um mercado a serviço do bem.

Quem quer o capitalismo consumista dos ateus, que reduz a vida ao aqui e agora, e transforma todos em desesperados que, pensando que não sobrará para eles, correm para acumular para o nada?

Os ateus dizem que evoluímos, mas que não vamos para lugar nenhum; que a ciência pode tudo; que verdade é a palavra dos vencedores; que os mais fortes sobreviverão, e que é o direito natural deles.

Não! Mil vezes não!

Quero o mundo onde os fracos tenham direito ao Reino; onde os mansos herdarão a terra; onde os que choram serão consolados; onde os que têm fome e sede de justiça serão fartos; onde os que crêem na justiça estejam prontos a morrer por ela; onde os mortos ressuscitarão.

Quem quer um mundo explicado, onde tudo é virtude ou falha de um neuro-transmissor qualquer?

Quero um mundo onde a fé , o amor e a paixão curem, mudem histórias e construam caminhos! Onde os artistas tenham o que registrar!

Um mundo onde o sol nasça e se ponha, onde as estrelas, polvilhando o infinito, apontem um caminho, falem da esperança de uma grande e decisiva família, e que qualquer ser humano ao ver isso, não se envergonhe de falar: maravilha! Um Deus fez isto!

Mas não quero a teologia técnica...

Quero o Deus apaixonado dos cristãos, que abandona sua Glória e se faz gente, trazendo a divindade para a humanidade e, ressuscitado, ao voltar, leva a humanidade para a divindade!

Quero o Deus inquieto de Israel, o pai dos judeus, com quem é possível lutar.

Quero do Deus que se permite ser detido por um Jacó.

Quero o Deus chorão de Jesus de Nazaré, que mesmo a gente tendo brigado com Ele, nunca conseguiu brigar conosco.

O Deus Pai, Mãe e Filho que repartiu conosco o privilégio de ser!

Quero o mundo do medo do desconhecido, e do maravilhar-se com o desconhecido: o mundo do encanto.

Como disse o pai da filosofia moderna, o que se descobre ser ao pensar, precisa de um mundo para aterrissar, precisa que haja alguém que faça pensar valer a pena, alguém que, ao fim, é da onde se pensa, e se ele não existe, então nada existe, porque o que pensa não tem como pensar a partir de si.

Quero o mundo que ri da finitude; que desdenha das limitações; que resiste ao sofrimento; que olha para o infinito sabendo que nossa existência não é determinada pela morte ou por nossas impossibilidades; que não somos frutos de um acidente.

Quero mundo que se sustenta na fé de que ressuscitaremos, de que brilharemos como o sol ao meio dia; de que vale a pena lutar pelo bem; de que vale a pena existir!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Com lenço e sem sofrimento! A cura divina no novo testamento

Por Luiz Sayão

É preciso entender a lógica da teologia da cura no Novo Testamento. Um dos ingredientes fundamentais é a fé

Um dos temas mais empolgantes do Novo Testamento é com certeza a cura divina. Jesus surge como o Messias prometido fazendo grandes prodígios, comprovando sua origem divina. O testemunho dos evangelhos é claro: Os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres; e feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa” (Mt 11.5-6). Num mundo cheio de crises, doenças e insuficiências humanas, nada pode chamar mais atenção do que esta cura milagrosa realizada pela poder divino. Hoje, milhares de igrejas cristãs em todo o mundo pregam a cura divina, proclamam o poder físico de Cristo e colecionam muitos testemunhos impressionantes de milagres que, surpreendemente, parecem ter sido pouco investigados.

Todavia, a proclamação de cura sobrenatural não é exclusividade cristã. Muitos outros movimentos religiosos também proclamam a cura e fazem rituais com o propósito de sarar enfermidades. Muitas são as práticas mágicas, principalmente na realidade mística nacional, que são conhecidas e disseminadas em nossos dias.

Nos anos recentes muita gente tem ficado confusa com a questão da cura. A multiplicidade e a variedade dos movimentos evangélicos, aparentemente, tem sido marcada por um certo sincretismo. Muitos rituais realizados em ambientes evangélicos do ponto de vista fenomenológico se aproximam de rituais esotéricos e místicos não cristãos. Isso provoca dúvida e questionamento generalizado sobre a legitimidade bíblica e teológica do que está acontecendo.

Questionados sobre suas práticas, os evangélicos mais místicos certamente responderiam que estão agindo com fundamentação bíblica. Seguramente, eles apontariam para certos textos bíblicos, aqui selecionados (observar o grifo):

“Deus fazia milagres extraordinários por meio de Paulo, de modo que até lenços e aventais que Paulo usava eram levados e colocados sobre os enfermos. Estes eram curados de suas doenças, e os espíritos malignos saíam deles.” (Atos 19.11-12)

“Em número cada vez maior, homens e mulheres criam no Senhor e lhes eram acrescentados, de modo que o povo também levava os doentes às ruas e os colocava em camas e macas, para que pelo menos a sombra de Pedro se projetasse sobre alguns, enquanto ele passava. Afluíam também multidões das cidades próximas a Jerusalém, trazendo seus doentes e os que eram atormentados por espíritos imundos; e todos eram curados.” (Atos 5.14-16)

“Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. A oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará. E se houver cometido pecados, ele será perdoado.” (Tg 5.14-15)

Os relatos dos “lenços e aventais”, da “sombra de Pedro” e “da unção com óleo” em Tiago têm sido considerados difíceis pelos teólogos mais tradicionais. Geralmente sugere-se que estes textos são apenas históricos e contextualmente dependentes, o que os tornaria não normativos para nós hoje. Todavia, tal avaliação não subsiste. Vários argumentos teológicos sobre temas como batismo, governo de igreja, contribuição, entre outros, são feitos com base em passagens históricas de Atos, por exemplo. Como entender a questão? Seria o cristianismo do Novo Testamento semelhante aos cultos místicos de hoje?

Antes de tudo, é preciso entender a lógica da teologia da cura no Novo Testamento. Um dos ingredientes fundamentais é a fé. Por diversas vezes Jesus afirma ao doente curado que a fé do indivíduo havia causado a cura (Mc 5.34, e.g.). No contexto hebraico, a fé não é apenas um sentimento ou impulso mental. Fé para um judeu nos templos envolvia a ação concreta. Por isso, o termo hebraico ’emunâ pode ser traduzido tanto por fé e quanto por fidelidade. Assim, a cura era muitas vezes operada pela participação do doente que expressava a sua fé de modo concreto. Assim, surgem diversos “pontos de contato” entre o poder de Deus e a fé do que recebe a cura. As vezes a fé é demonstrada pelo “lenço”, pela “sombra”, pelo “óleo”, pela “saliva com barro nos olhos”, pelo “toque nas vestes”, “pelo levantar-se da maca”, etc. O doente é conclamado é expressar a fé de maneira concreta. Deve ser observado que em todos os casos os elementos concretos presentes na cura são sinais da fé que existe no doente ou em alguém que o auxilia. Nos textos acima citados, vemos Paulo não distribuiu (nem vendeu) lenços e aventais. Ao contrário, isso foi feito de modo espontâneo pelo povo. O mesmo pode ser observado no caso da sombra de Pedro. Até mesmo, no texto de Tiago, a unção com óleo não era praticada a partir dos líderes (presbíteros) da igreja. Ao contrário, a ação tinha início com o doente. Observe a clareza da NVI aqui: “que ele mande chamar os presbíteros”. Ao convocar os presbíteros para a unção com óleo, estava demonstrada sua fé. A lógica é semelhante ao convite que se faz a uma pessoa para “vir à frente” afirmando que recebeu a Cristo. “Vir à frente” é uma demonstração de fé concreta. Isso é bastante diferente do enfoque místico não cristão.

O enfoque de cura não cristão é diferente. A idéia é que há objetos abençoados, como que cheios de “energia” espiritual. Assim, surge um certo fetichismo em torno do objeto, que passa a ser “a fonte da cura”. É um certo animismo. Com esse enfoque, faz sentido vender objetos sagrados que tenham poder de cura. Essa postura é muito distinta da visão neotestamentária. Uma boa maneira de observa o contraste é observar o texto de Marcos 5.24-34.

“Uma grande multidão o seguia e o comprimia.
25 E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de hemorragia.
26 Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava.
27 Quando ouviu falar de Jesus, chegou por trás dele, no meio da multidão, e tocou em seu manto,
28 porque pensava: “Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada”.
29 Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento.
30 No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: “Quem tocou em meu manto?”
31 Responderam os seus discípulos: “Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim?’ ”
32 Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem tinha feito aquilo.
33 Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade.
34 Então ele lhe disse: “Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento”.

Nesse texto vemos que “o manto” de Jesus curou a mulher que sofria de hemorragia. Como nos casos do “lenço”, da “sombra” e do “óleo”, aqui temos também o “manto”. Todavia, o texto deixa claro que o “manto” não tem poder para curar. Não é um objeto sagrado. A prova é que todo mundo estava tocando no manto (v. 31) e nada de especial estava acontecendo. Não havia qualquer energia espiritual armazenada na roupa de Cristo. Todavia, ao expressar sua fé, a mulher cria que bastava “tocar no manto” que seria curada. E ela foi! Sua cura se deu não por causa do manto, mas por causa de sua fé (v.34), conforme as próprias palavras de Jesus.

Portanto, a igreja pode e deve orar pelos doentes com fé. Pode até mesmo ungir pessoas com óleo, ainda que não obrigatoriamente. No entanto, suas práticas ligadas à cura divina não podem cair no animismo e no fetichismo pagão presentes na religiosidade popular. É necessário fugir desses equívocos sem deixar de crer no Deus pessoal e soberano que cura milagrosamente e que muitas vezes permite a dor prolongada. Às vezes, a cura é milagrosa como no caso do “lenço”, às vezes Deus trabalha em nossa vida pelo “sofrimento”.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Celebração e Liturgia Numa Sociedade Pluralista





Rubem Amorese

Uma das características dos tempos em que vivemos é a pluralidade. Este fenômeno se caracteriza pela imensa oferta de opções ao homem moderno. Opções a respeito de tudo. Ele pode escolher desde a cor da gravata até o sexo do bebê, passando pela quantidade de estrelas do seu macarrão ou índice de cafeína no seu "capuccino". Pode escolher entre centenas de marcas do sabonete (inclusive, adotar o estilo rústico de não-sabonete), orientações pedagógicas para seu filho, ideologia da sua revista semanal, o programa da noite, o sabor do chiclete (deste o tradicional tutti-frutti, até sabor picanha); pode escolher morar no campo ou na cidade, o presidente operário, caçador de marajás ou intelectual; viajar de jegue, de navio, ou de submarino; pode escolher entre diversos estilos de vida (tradicional-obtuso, tradicional-esclarecido, moderno, "prafrentex", revoltado, hippie, culto de esquerda, culto de direita, descuidado-charmoso, artístico-desligado etc.), ou mesmo seu próprio sexo, independentemente daquele de seu nascimento (esta escolha é chamada de "opção sexual").

A pluralidade se instala no homem moderno como uma inconsciente necessidade — ou compulsão, mesmo — de optar, alimentada pela mídia, e sustentada pela sociedade de mercado. Ao mercado interessa que o indivíduo esteja sempre pronto a experimentar algo novo, a mudar, a optar. Ele tem que viver em eterno estado de supermercado. A vida à sua frente tem que ser composta de prateleiras abarrotadas. E ele acha isso delicioso.

Este nosso cidadão também faz opções religiosas. Para isso também há prateleiras cheias de ofertas. Tem cristianismo tradicional (em bom estado), usado, avivado, renovado, recondicionado (mas com garantia de bênçãos); tem esoterismos (com poções ou sem poções mágicas); tem bruxas de meter medo (e bruxos simpáticos, também); tem até peças avulsas para seu "kit" religioso personalizado.

Ninguém escapa da força da pluralidade. Assim, quando acorda no domingo, o crente se predispõe a optar: — O que temos hoje, na prateleira? — lhe vem, inconscientemente ao espírito. E ele se dá conta que pode escolher como será sua manhã eclesiástica por diversos critérios à sua disposição: a igreja (templo, tenda, cinema, ar-livre, chácara etc.), o pastor (tradicional, falante, carismático, pedagógico, paternal etc.), a aula de Escola Dominical (em classes, sem classe, com ou sem professor, com auxílio audiovisual, flanelógrafo, revista etc.), o coral (ou conjunto de rock), os irmãos (fraternos ou arredios, distantes ou bisbilhoteiros etc.), o tipo de liturgia (dançante ou imóvel, "quente" ou "frio", com ou sem direito a arrepios, com corinhos ou com hinário, para assistir ou participar etc.).

Estabelece-se, assim, inevitavelmente, o mercado eclesiástico: o pastor acorda no domingo imaginando o que poderá oferecer de atraente aos seus "consumidores". Se ele não for criativo, começa a perder a concorrência. Se isso acontece, sua igreja perde em animação, perde em movimento; ele próprio perde prestígio no Conselho de Ministros da cidade (medido por número de membros ativos) e até na sua capacidade de influir na política local. Perde, inclusive, em dízimos e ofertas. Tudo fica comprometido. Desde os projetos missionários, até seu próprio sustento.

Este pastor precisa, portanto, estar constantemente atualizado sobre as novas tendências litúrgicas, para poder oferecer aos seus membros o que há de mais moderno e atraente. Ele precisa manter-se "na crista da onda". Se a "onda" é tremer, vamos tremer; se é roncar, que sejamos os primeiros; se é cair para trás, nosso povo já cai há muito tempo. Ah, o quente é redescobrir as formas litúrgicas medievais? Ora, já estamos até construindo uma catedral gótica, cheia de vitrais...

O leitor perdoe se o tom desta conversa vai ficando um pouco irônico. É que ele ajuda a ressaltar a parte ridícula de toda essa situação, no breve espaço de que dispomos. Não se trata de ser destrutivamente contra tudo o que é novo, mas de mostrar o perigo potencial embutido na situação. Na realidade, não me parece um mal em si o pastor se esmerar em oferecer uma liturgia dinâmica, atraente, viva e exuberante aos seus irmãos. O problema aparece, a meu ver, quando a lógica do mercado, acima esboçada, inverte a polaridade das relações no culto. Explico isto, com a metáfora da ópera.

Imagine um culto a Deus como uma sessão de ópera. Talvez esta seja a forma de expressão cultural mais evoluída e completa já alcançada por nossa civilização. Naquele momento mágico, há ambientação, há enredo; há drama, dança, música solada e sinfônica, há harmonia (entre músicos e atores-cantores), polifonia, sincronismo etc. e um público, que fornece o ambiente. Da conjugação destes e tantos outros fatores, resulta uma celebração completa, arrebatadora e bela. Nesse ambiente, todos celebram, de forma intensa, uma porção de seu patrimônio cultural.

Pois bem. Se um culto é semelhante a uma ópera, então temos um grande filão a explorar nesta metáfora. Por exemplo, o que podemos considerar como "harmonia" do culto (além daquela estritamente musical)? Quem são os apresentadores, no culto? Quem é o dirigente? Como se monta o enredo (o tema da peça)? Será ele uma comédia (no sentido de alegria) ou um drama? Quem decide? Quem participa?

De tantas perguntas, interessa-nos, aqui, uma, em especial: quem é a platéia? Na ópera, há um público que paga o bilhete. E no culto? Na ópera, esse público aplaude ou vaia, determinando a prosperidade ou o fechamento antecipado da temporada. E no culto?

Aí é que está. No culto, tanto o dirigente quanto a platéia são o próprio Deus. Todos os demais são apresentadores, atores, músicos, etc. Todos têm a responsabilidade de apresentar algo de belo a Deus. E este é o único que pode aplaudir ou vaiar. Os demais são parte do sucesso ou do fracasso.

À ovelha e ao pastor, cabe, no domingo pela manhã, perguntar-se: que opções tenho hoje? E escolher entre adorar ou não. "E todas as demais coisas vos serão acrescentadas..."