quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PESSOAS NÃO MUDAM

Por Ed René Kivitz

Todos tendem a permanecer sendo o que sempre foram; é preciso aprender a conviver com os outros como eles são

Pessoas não mudam. Elas falam em mudar, mas não mudam. Na verdade, mudam apenas quando não têm outra alternativa. Essa é a tese de Po Bronson em seu livro O que devo fazer da minha vida? (Editora Nova Fronteira), onde relata quarenta histórias tiradas de 900 entrevistas com gente de tudo que é tipo.

Na verdade, Po Bronson é um otimista. Em novembro de 2004, a megacorporação IBM realizou sua conferência de “Inovação Global”, quando reuniu alguns dos melhores cérebros do planeta para propor avanços científicos e tecnológicos capazes de solucionar os grandes problemas mundiais. No topo da agenda estava o setor da saúde, que custa aos Estados Unidos 1,8 trilhão de dólares anuais (três vezes o PIB do Brasil). A grande conclusão a que chegaram foi que muito desta dinheirama seria economizada se as pessoas estivessem dispostas a mudar seus hábitos alimentares e seu estilo de vida. Mas uma pesquisa realizada para subsidiar a discussão mostrou que, mesmo diante da morte iminente, apenas uma entre 10 pessoas mudam seu jeito de pensar e agir. Em outras palavras, para a pergunta: “Se fosse dada a você a opção de morrer ou mudar, o que escolheria?” De cada 10 pessoas, apenas uma escolheria mudar.
Sou tentado a concordar. Ao longo de mais de 20 anos de atividade pastoral, vi muito pouca gente mudando de verdade. Mudanças cosméticas, apenas comportamentais, vi aos montes – mas estruturais, foram poucas. As pessoas tendem a ser o mesmo que sempre foram: os tímidos continuam tímidos, os eufóricos permanecem eufóricos, as mulheres dominadoras seguem dominando, os maridos passivos continuam no cabresto, os trabalhadores continuam trabalhando, o hipocondríacos continuam lendo bulas e por aí vai. Freud explica. Literalmente.

Outro dia fui interpelado por uma jovem após uma de minhas palestras. Seu semblante demonstrava apreensão e sofrimento. Foi direta ao ponto: tinha um noivo um pouco violento, que já a havia agredido duas vezes, mas que sempre chorava, pedindo perdão e prometendo não repetir as agressões. Depois, fez a pergunta: “Pastor, devo me casar com ele?” Contrariando um procedimento padrão, respondi de maneira direta: “Apenas se estiver disposta a apanhar pelo resto da vida”. É claro que acredito que aquele sujeito pode mudar. Mas como não podemos ter certeza disso, disse à moça que deve se casar somente na hipótese de acreditar que poderá conviver com o marido, mesmo que ele não mude.

Depois daquela conversa, reavaliei minha fé, minha crença no poder transformador do Evangelho e na força da graça. Onde já se viu, um pastor pessimista quanto à mudança das pessoas! Logo eu, que acredito que a transformação pessoal à imagem de Cristo é essencial à mensagem cristã e que o maior problema do ser humano não é o diabo, nem o mundo mau, nem nada que exista do lado de fora, mas seu inimigo íntimo, que habita suas entranhas. Após tantos anos presenciando conversões extraordinárias, cheguei ao ponto de duvidar que as pessoas mudam; ou pior – acreditar que a verdade maior é que as pessoas não mudam mesmo.

Precisei percorrer todo o caminho novamente. Revisei o que me ensinaram, e cheguei a conclusões preliminares que, pelo menos a mim, me fizeram mais sentido. Primeiro, considero que as mudanças de que fala o Evangelho não são necessariamente estruturais, na personalidade ou na índole das pessoas, mas em seus valores, seus amores, e portanto, seus objetos de devoção. A grande mudança do Evangelho não é “eu deixar de ser eu”, mas eu me render à vontade do meu novo Senhor, isto é, não mais o meu eu, mas o Cristo, que vive em mim.

Muita coisa na vida muda, mas continuamos sendo nós mesmos. A conversão não implica na despersonalização. Ela não apaga tudo o que vivemos e nos fez o que somos. Mas após a rendição a Cristo, toda a vida passa por uma revisão, e, necessariamente, deixa-se de fazer muita coisa. E passa-se a fazer outras. Não por obrigação ou culpa, mas por uma nova orientação da vontade: afinal, mudou o objeto de devoção. As figuras “morte e ressurreição”, ou “novo nascimento”, que simbolizam o antes e o depois da experiência mística-espiritual cristã, significam passar a viver orientado para outra direção. Não é que tenhamos mudado – o que mudou foi a maneira como convivemos com o que sempre fomos, e provavelmente vamos continuar sendo. O extraordinário nisso é que já não somos mais obrigados a ser o que sempre fomos. Não estamos mais escravizados a realizar a sina da nossa personalidade nem a cumprir o vaticínio das marcas que a vida deixa. Somos livres: livres para nos reinventarmos, livres para virmos a ser e, inclusive, livres para continuar sendo o que sempre fomos. O que muda é que nos relacionamos de maneira tão diferente conosco mesmos, que as pessoas ao nosso redor dirão que parecemos outra pessoa. Conhecemos a verdade, e a verdade nos libertou. Na verdade, as pessoas mudam, mas em número, profundidade e velocidade inferiores ao que desejamos: pouca gente, mudanças razoavelmente superficiais e lentas. Portanto, aprenda a conviver com as pessoas do jeito que as pessoas são. Não passe a sua vida tentando mudar os outros: seu cônjuge, seus filhos, seus amigos, seu chefe ou colegas no trabalho. Deixe isso nas mãos de Deus, à mercê da graça. Conviva a partir da gratuidade: paciência nos processos, perdão, mais amor, entrega e serviço do que cobranças, exigências e condições. Aprenda a se relacionar com os outros do jeito que eles são. Não tente fazer novas as pessoas. Faça novos acordos. Você vai ver como sua vida vai mudar. E os outros também.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A PREOCUPAÇÃO COM A APARÊNCIA: LIMITES PARA O CRISTÃO

Por Heleny Uccello Gama

Frequentemente, seres humanos padecem por não conseguirem enquadrar-se nos atuais padrões estéticos divulgados pela mídia. Nossa sociedade valoriza os muito jovens, magros e belos. Trata-se da ditadura da beleza. Augusto Cury, em romance com esse título, focaliza a síndrome do padrão inatingível de beleza, que acomete especialmente as mulheres; segundo ele, mais de 98% das mulheres em todo o mundo não se consideram belas e rejeitam suas características físicas.

Outro fato inegável é que, para homens e mulheres, o envelhecimento deixa marcas com as quais às vezes é difícil conviver. Quanto a crianças e adolescentes, estes também já enfrentam dificuldades para aceitar sua aparência. No início da adolescência, os pés parecem grandes demais, os membros superiores e inferiores, desengonçados; a altura ou é excessiva ou insuficiente, os cabelos são lisos demais ou de menos, a ditadura da magreza se impõe.

Em qualquer fase, se sentimentos negativos quanto à aparência pessoal não forem superados, pode haver rebaixamento da autoestima, o que talvez motive a busca de intervenções estéticas desnecessárias.

Além do tradicional público de mulheres, o número de homens e de adolescentes que se submetem a procedimentos cirúrgicos estéticos é crescente. O site www.cirurgiaplastica.com.br divulga que o Brasil hoje ocupa o segundo lugar no ranking mundial de cirurgias plásticas, perdendo somente para os Estados Unidos, e que nosso país é considerado o número um quanto ao aperfeiçoamento de novas técnicas e à qualificação dos cirurgiões.

Em face dessas informações, qual deve ser a posição de cada um de nós, cristãos, com respeito à aparência pessoal? É lícito preocupar-se com isso? Quais os limites para adoção dos procedimentos estéticos ao nosso dispor?

Alguns cristãos fundamentalistas criticam o que chamam de movimento da autoestima. Segundo eles, o foco é deslocado de Deus para o homem quando se diz que é preciso amar a si mesmo para que seja possível obedecer ao mandamento de amar ao próximo. A premissa fundamentalista é que não precisamos focar o amar a nós mesmos, pois quem cumpre os mandamentos de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo faz tudo certo com relação a si próprio também.

É possível que no meio cristão, infelizmente, algum orador, livro, sermão ou aconselhamento desloque o foco de Deus para o homem, dos mandamentos bíblicos para os desejos humanos. Em contraponto, como mesmo nós os salvos por Jesus, pela condição de ainda pecadores, não cumprimos na totalidade os dois mandamentos nos quais Cristo resumiu toda a lei e os profetas (Mateus 22.37-40), pelo menos em alguma medida, se não integralmente, disso nos advêm doenças emocionais e físicas.

Pela impossibilidade de na vida terrena se atingir a estatura da plenitude de Cristo (Efésios 4.13), ninguém faz tudo certo com relação a Deus, ao próximo e a si mesmo. Sendo assim, a crítica da autoestima me soa um tanto reducionista. Penso que devemos buscar posição equilibrada. Nem mudar o foco de Deus para o homem nem adotar o fundamentalismo iracundo que observo em certos autores; nem submissão à tirania do belo nem rejeição dos avanços científicos que possam trazer alívio de problemas e complexos.

Não creio que seja possível estabelecer regras rígidas quanto à adoção de procedimentos estéticos, mas entendo que, como tudo o mais nas nossas vidas, essas decisões devem ser pautadas pelos princípios bíblicos e por senso de equilíbrio. Em Romanos 12.3, encontramos: ... exorto a cada um dentre vós que não considere a si mesmo além do que convém; mas, ao contrário, tenha uma autoimagem equilibrada, de acordo com a medida da fé que Deus lhe proporcionou. À luz das palavras do apóstolo Paulo, cada um na medida da sua fé deve ir ajustando a autoimagem. Manter conhecimento e apreciação de si mesmo como de fato é: alguém definiu assim a pessoa humilde, ou que possui humildade, característica tão exemplificada e recomendada por Jesus (Mateus 5.3, João 13.1-5).

Antes de mais nada, nossas ações devem ser orientadas pela fidelidade a Deus. Buscai, assim, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas (Mateus 6.33). Parece-me possível honrar a Deus - em primeiro lugar - e também cuidar de si mesmo, confiando n’Ele e submetendo-lhe as decisões pessoais a serem tomadas.

Se um cristão está convicto de que certa correção estética melhoraria a sua autoimagem (necessidade), se honra as obrigações para com a família, a igreja e a sociedade, e se dispõe de recursos financeiros para adotar procedimento estético cogitado (possibilidade), a presença desse binômio necessidade/possibilidade, expressão que tomo emprestada do direito, parece-me indicar que a decisão por submeter-se ao procedimento possa ser tomada.

É importante também avaliar a razoabilidade das intervenções estéticas desejadas. Em casos de transtorno da imagem, convém passar por aconselhamento ou terapia de apoio psicológico e assim, quem sabe, a autopercepção se ajuste e procedimentos cirúrgicos venham a ser dispensados. Quanto à correção de reais problemas estéticos, deve-se tomar o cuidado de consultar profissionais competentes e idôneos, para evitar exageros ou seqüelas.

Finalmente, é bom lembrar que cada um de nós possui beleza física e psíquica particular e única, nas palavras de Augusto Cury; e, mais ainda, devemos ter sempre em mente que a beleza de um ser humano não está na aparência nem nos demais recursos, bens ou características que possua, mas em que, conforme Isaías 43.7, foi criado por Deus para a Sua glória.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Inveja

Por Rubem Amorese

"Ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem;
inveja é querer que o outro não tenha"(Zuenir Ventura)

Diferentemente da ira ou da gula, a inveja é uma condição emocional sorrateira. Ela queima como fogo de palha, por baixo, sem fumaça.

A ira produz erupções violentas; a gula compromete nosso manequim; a preguiça faz nosso chefe reclamar; a luxúria nos afasta até da família mais liberal; mas a inveja dificilmente aparece, pois o comportamento de um invejoso não difere muito de um crítico, de um ressentido, de um coração magoado.

Nenhuma dessas condições é, propriamente, inveja. Mas esta pode estar “orquestrando” a todas aquelas, por trás. Ela pode até mesmo produzir elogios e dar presentes. Este foi o caso de Saul, em relação a Davi. O rei entregou ao rapaz um comando em seu exército e lhe ofereceu a mão de sua filha em casamento — na esperança de fazê-lo “ir a óbito” (1Sm 18:5-29).

Como não sabe criar, o diabo distorce. Então, para produzir a inveja ele corrompeu a admiração, transformando-a no segundo pecado mais daninho que o ser humano já provou. Admirar é a capacidade de se deixar impactar pelo excepcional, pelo espantoso, de uma forma generosa, abnegada e contente.

Diz-se que a inveja só perde para o orgulho, em poder de destruição, em poder de potencializar o que há de pior no ser humano. A inveja é o maestro de nossos outros pecados. E corta para os dois lados: o do invejado e o do invejoso. A inveja é potencialmente homicida e suicida, ao mesmo tempo. Esse potencial raramente atinge seu clímax, revelando-se apenas como sentimento mesquinho, do tipo “se não posso ir a esse churrasco, que chova”.

Esse pecado advém de uma necessidade de nos compararmos com os outros. E ao encontrarmos neles motivos de admiração, sofremos, em vez de, simplesmente, nos alegrarmos. E aí está a obra do diabo: o invejoso sempre se compara e sofre com o bem dos outros que, para ele, é sempre maior e melhor (um problema de auto-estima). A grama do quintal do vizinho é sempre mais verde.

Assim, tudo começa com algo vindo de Deus: a capacidade de admirar e de se admirar. E nunca admiramos o trivial ou mesmo algo bom que tenhamos ou sejamos. Normalmente, só o narcisista admira algo que ele próprio tem ou é. Admira-nos aquilo que não encontramos em nós mesmos, como capacidades artísticas, dons, beleza, inteligência, posses etc. Em especial, quando alguém nos “vence” em algum ponto em que nos consideramos fortes.

É aí que o inimigo semeia a inveja, fazendo com que essa admiração se transforme de alegria em sofrimento, sem muita consciência da razão. Passo seguinte, inconscientemente desejamos “vencer” essa competição. Mas o inimigo não nos dá força para tal. Sugere-nos, ao contrário, o expediente de Caim. Ou o de Saul; com a língua desempenhando o papel da lança. Ou, se precisarmos de ajuda, que fundemos a fraternidade dos “irmãos de José”.

Sentir inveja é pecado. Mas tornar-se invejoso é mais grave ainda. Vemos em Pv 14:30 que ela nos faz adoecer: “a inveja é a podridão dos ossos”. E isso acontece quando esse pecado se instala em nossa alma. De alguma forma perversa, essa atitude “nos ajuda a viver”, criando em nosso coração mecanismos de auto-justificação. E o invejoso passa a achar que “o que fizeram com ele justifica sua reação”. Afinal, todos lhe estão devendo.

Aninhada na placenta do nosso coração, ela agora se multiplica em ninhada. Surgem, por exemplo, o ódio, a ira, o homicídio e uma infinidade de pequenas transgressões (cometidas pelo invejoso covarde), com um só objetivo: humilhar ou destruir o invejado. Vêm, então, a difamação, a calúnia, o desmerecimento, a crítica destrutiva, a palavra amarga e uma indisfarçável alegria com o infortúnio do outro. Do “inimigo”.

Resultado, esse pecado nos lança num mundo de trevas. Já não nos alegramos com o que temos ou somos (a não ser que ninguém mais tenha ou seja — mas aí já não tem graça); já não somos gratos a Deus pelo que nos deu (como pôde o Senhor abençoar aquela criatura!?); já não somos edificantes, e sim desconstrutores. Passamos boa parte da vida a nos comparar com os outros. E nossa baixa auto-estima nos faz “admirar” as coisas boas que encontramos neles — e isso nos consome! Está ficando pesado? Uma paradinha.

Dois amigos passeavam na calçada quando um deles chutou uma espécie de lata velha. Era uma lâmpada de gênio, que, tendo sido acordado, apareceu e disse: estive preso nessa lâmpada por muitos séculos e estou muito cansado. Portanto, vocês têm direito a apenas um pedido. Façam logo, pois não tenho tempo a perder. Um dos amigos, animado, pediu para ficar rico, e foi logo atendido pelo gênio. O segundo amigo viu aquilo tudo e pediu: quero que meu amigo volte ao que ele era antes.

Outra versão, mais dramática, diz que o gênio impôs uma condição para o pedido único: tudo o que um deles pedisse seria dado também e em dobro para o outro. Aí, o amigo invejoso se adiantou e pediu: quero que você me tire um olho.

Aí está a sabedoria popular a nos ensinar que o invejoso não consegue construir. Bastaria aproveitar a chance única e ser muito feliz. Mas a felicidade do companheiro torna-se um problema. E ele prefere destruir. Nem que precise sofrer.

Mas nem tudo está perdido. Deus colocou recursos espirituais à nossa disposição para vencermos a inveja. Eis alguns, encontrados na literatura como virtudes antagônicas a esse pecado: amor, gratidão, compaixão, misericórdia e lamento.

Examinando cada uma delas, faço minha opção pelo amor diligente. Aquele amor dinâmico, capaz de me transformar, pela busca do poder do Espírito de Deus. Ouça Jesus: “...eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. Ouça Paulo: “abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis”. Ainda Paulo: “...pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber...”

Se eu examinar meu próprio coração(*) e me descobrir invejoso e, por isso mesmo, agredido, humilhado e perseguido por gente que, de “tão boa”, se tornou meu algoz — e quiser mudar—, buscarei o Senhor em meu quarto e lhe pedirei que me ajude a abençoar, a falar bem “pelas costas”, a elogiar esse “inimigo”. E pedirei mais: que Deus me dê oportunidades e meios (emocionais) de lhe “lavar os pés”. Sabemos que, na medida da resposta de Deus, a minha redenção se manifestará na forma de serviços a esse “inimigo”. Serviços que remodelarão meu coração egoísta em abnegado e generoso, capaz de, solidariamente, alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. Serviços como aqueles com que meu Mestre serviu. E nessa atitude, “teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6: 4, 6 e 18).

Assim, mais uma vez, da cruz de Cristo e também da minha; da humilhação, agora voluntária, há de vir a vitória.

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(*) O Ministério da Saúde Espiritual adverte: este texto não deve ser utilizado em diagnósticos de terceiros. Serve apenas para introspecção. Não desaparecendo os sintomas, procure seu pastor.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Nana, nenê, Papai já vai chegar

Por Luiz Sayão


A infantofobia está generalizada na sociedade contemporânea. Seu odor nausenate é a presença crescente da pedofilia. A discriminação é total: os nenês não têm vez no mundo de hoje. Nações ricas agonizam, pois seus cidadãos se recusam a ter filhos, condenando o futuro a ser povoado por idosos, aposentados e enfermos! Enquanto isso, a mídia em geral apresenta com frequência a defesa dos direitos dos mais diversos grupos: o direito dos negros, dos árabes, das mulheres, dos índios, dos adolescentes e de muitos outros grupos são plenamente manifestos. Mesmo que não seja uma unanimidade, as mais diversas preferências sexuais também recebem uma apologética contundente. Animais silvestres, plantas raras, gatos e cachorros também são contemplados – afinal, eles merecem seus direitos. Até mesmo objetos cúlticos populares são protegidos legalmente contra a prática da discriminação.

Já no caso dos nenês, isso não acontece. Os milhões de abortos praticados são entendidos e explicados a partir dos “problemas sociais”. Ora, esses nenês não existem! Só seriam gente se nascessem. Além disso, as centenas de nenês abandonados pelos pais merecem apenas dó; mas, a mãe, é claro, não tem culpa. Estava em depressão! Precisamos, todos, entender “o lado dela”. Se ela tivesse matado uma ararinha azul, aí sim!, seria um crime inafiançável, uma agressão contra o meio-ambiente. Mas, abandonar uma criança... Logo surgirá alguém advogando a ideia de que é preciso entender o que a levou a tomar tal atitude, “Não podemos julgá-la”, não é verdade?

Os nenês jogados pela janela pelas mães ou maltratados em casa deviam ter maturidade para entender que aquelas mulheres que os puseram no mundo sofrem com problemas de depressão e com o estresse. Que meninos malcriados! Infelizmente, não existe o sindicato de defesa dos nenês para reclamar o direito dos mesmos. Assim, a infantoclastia se generaliza numa sociedade egoísta, narcisista e sem amor natural.

Na Bíblia, porém, não é assim. Os nenês têm lugar especial, ainda que a maioria dos religiosos e teólogos não se importe muito com eles também. Nem mesmo os teólogos libertários, mais atentos a causas sociais, dão a atenção devida aos nenês! No caso de Deus, é diferente. É impressionante como o Senhor gosta de criancinhas. Para começar, sua primeira ordem para o primeiro casal criado era simples: “Sejam férteis e multipliquem-se” (Gênesis 1.28), ou seja, era como se o Criador dissesse: “Tenham nenês”. Quando Deus constrói sua história de salvação através da Bíblia, os nenês têm papel importante. E tem outra coisa – nunca nenhum nenê voltou-se contra Deus. Eles são gente finíssima! A preocupação dos patriarcas escolhidos por Deus no livro de Gênesis era ter nenês. A promessa de Deus começa com uma aliança com Abraão, a prometer-lhe um filho (Gênesis 15.4). Nessa aliança, Abraão, o homem de fé, só ficou realmente feliz quando nasceu o nenê de Sara, sua mulher. A alegria foi tanta que a criança passou a ser chamada de “riso”, que é o que significa o nome Isaque. Depois, quando Rebeca, mulher de Isaque, encontrou dificuldades para engravidar, a bondade de Deus manifestou-se na forma de dois nenês: Esaú e Jacó.

A história da redenção divina poderia concentrar-se apenas em grandes batalhas ou em visões metafísicas, mas Deus faz questão de mostrar a primazia do nenê. Toda vez que alguma coisa especial estava para acontecer aos hebreus, surgia um nenê. Quando o povo de Israel viu-se subjugado pelos egípcios, quem surgiu para libertá-los? Um arcanjo poderoso? Um guerreiro invencível? Que nada! De novo, um nenê – Moisés, que aliás era um menino bonito e extraordinário. E coube a ele, já adulto, a grandiosa tarefa de conduzir o povo de Deus para longe de seus algozes. O detalhe é que os homens maus odeiam os nenês. O faraó quis matar todos os garotos hebreus nascidos no cativeiro, mas Deus, que ama nenês, fez com que Moisés sobrevivesse justamente porque a filha do rei egípcio se afeiçoou à criaturinha que resgatou das águas. E o que dizer de Herodes, que séculos depois mandou matar todos os nenês de Israel, na tentativa de liquidar o recém-nascido Rei dos Judeus (Mateus 2.16-18)?

A história continua, e no final da época dos juízes – o momento mais crítico da história do povo de Israel –, outro nenê, muito desejado por Ana, sua mãe, fez a diferença. O nenê Samuel chegou e, entregue pela própria mãe para ser criado no Templo do Senhor, foi usado por Deus para conduzir espiritualmente os hebreus na construção de sua nação. A supervisão divina na formação de um nenê merece atenção especial na Bíblia. O salmista dá-nos os detalhes, valorizando o nenê ainda não nascido, digno perante Deus e sem valor para os homens maus: “Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso com convicção. Meus ossos não estavam escondidos de ti quando em secreto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de qualquer deles existir” (Salmo 139.13-16).

No aspecto teológico, os nenês também estão numa situação privilegiada. Por exemplo, a relação dos fiéis genuínos com Deus tem como paradigma as crianças de colo. Ninguém como elas parecem representar verdadeira espiritualidade – o que valeu a advertência de Cristo a seus discípulos: “Cuidado para não desprezarem um só destes pequeninos! Pois eu lhes digo que os anjos deles nos céus estão sempre vendo a face de meu Pai celeste” (Mateus 18.10). Quando chegamos ao campo da hermenêutica, ou da recepção e compreensão da revelação divina, novamente a vantagem é de quem é mais parecido com um nenê: “Naquela ocasião Jesus disse: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos [literalmente, os nenês]. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado’” (Mateus 11.25,26).

Hoje em dia há uma grande discussão litúrgica na igreja. Qual é o louvor correto? Que instrumento usar? Que estilo de música é o melhor para a adoração? Tradicional? Avivado? Contemporâneo? Devemos louvar de frente? De costas? Sem costas? De lado? Tudo bobagem! Quem tem a resposta? Adivinhe – de novo, os nenês. Basta ler a Bíblia. “Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor” (Mateus 21.16). Aqui é até mais fácil entender: nenês não vendem CDs, não cantam para aparecer, são absolutamente sinceros e não têm aquele palavreado vazio de crente!

Talvez essa primazia dos nenês e a predileção divina por eles explique o ódio contra os pobres pequeninos. Imaginem só: no mundo dito civilizado, é um “direito” matar nenês antes que nasçam, e tudo dentro da lei, como na época no Estado nazista de Hitler, com sua política eugenista. Hoje, as nações do Primeiro Mundo estão sofrendo por falta de nenês. Perderam a esperança e o futuro. As pessoas instruídas, cultas e ricas não gostam de nenês. Essa é a verdadeira opressão! Os psicólogos gastam horas de trabalho ajudando muitas pessoas com problemas sérios e terríveis porque foram maltratados quando eram nenês. Que horror! Infelizmente, há até comércio de nenês. Que horror! Seres humanos são vendidos, vivos e mortos. Cuidado! O Deus, que é o Deus dos nenês, pode ficar irado e resolver agir.

A grande verdade é que o lugar dos nenês é tão especial que Deus resolveu mudar a história humana através de um deles. Em vez de descer diretamente do céu, ou de chegar repentinamente com um exército celestial para implantar seu Reino, o Senhor optou pela forma mais sublime de aproximar-se do homem: vir como um nenê. O evangelista Lucas descreveu o episódio com riqueza de detalhes: “Enquanto [Maria e José] estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê; e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lucas 2.6-7)

Diante disso, vale aqui lembrar as palavras de Madre Teresa de Calcutá, que parece ter percebido grande parte dessa importante realidade: “Temos medo da guerra nuclear e dessa nova enfermidade que chamamos de Aids, mas matar crianças inocentes não nos assusta. O aborto é pior do que a fome, pior do que a guerra”. Aqui vai um conselho espiritual: antes de ler a Bíblia e de fazer suas orações, procure um nenê, que de preferência esteja dormindo, e passe uns dois minutos em silêncio, olhando bem para ele. Você ficará mais pronto para meditar e falar com Deus. Mas deixe o nenê dormir em paz. Nana, nenê, que Papai do céu já vai chegar!