terça-feira, 31 de maio de 2011

CINCO AMIGOS

Autor: Franz Kafka

"Somos cinco amigos. Certa vez saímos de uma casa um atrás do outro. Primeiro veio um e se postou ao lado do portão, depois veio, ou melhor, deslizou tão levemente quanto uma bolinha de mercúrio, o segundo, atravessando o portão e postou-se perto do primeiro, então o terceiro, depois o quarto e então o quinto. Por fim, estávamos todos nós de pé, enfileirados. As pessoas nos notaram, apontaram em nossa direção e disseram: 'Os cinco saíram agora dessa casa'. Desde então, vivemos juntos, e seria uma vida pacífica se não houvesse sempre um sexto se intrometendo. Ele não nos faz nada, mas nos incomoda, e isso basta. Por que se intromete onde não é chamado? Nós não o conhecemos e não queremos acolhê-lo. Nós cinco tampouco nos conhecíamos antes e, para falar a verdade, ainda não nos conhecemos hoje, mas o que é possível e tolerado entre nós cinco não é possível nem tolerado com esse sexto. Além disso, nós somos cinco e não queremos ser seis. E qual é o sentido, afinal, dessa contínua comunhão, também entre nós cinco não há sentido, mas agora já estamos juntos e vamos permanecer assim. No entanto, não queremos uma nova agremiação, justamente devido às nossas experiências. Como poderíamos ensinar tudo ao sexto, longas explicações significariam quase uma exceção em nosso círculo, preferimos não explicar nada e não o acolher. Por mais que ele faça bico, empurramo-lo com o cotovelo. Mas mesmo que o empurremos para longe, ele sempre retorna".

Que reflexões podemos fazer nesse texto, aplicando à convivência diária na família, no trabalho, na igreja?

sexta-feira, 20 de maio de 2011

De Volta à Palavra

Por Jease Costa (do livro "Sua Igreja Está No Caminho Certo?")

Quero tratar da necessidade de a igreja hoje voltar à Palavra, fazendo uma análise da reforma espiritual promovida pelo rei Josias no reino de Judá. Essa passagem está registrada nos capítulos 22 e 23 do Segundo Livro dos Reis. Mesmo aquela reforma não sendo uma reforma completa, pois a atitude de obediência não é algo que pode ser imposto com um decreto, não há como negar sua importância na vida do povo de Judá nos dias de Josias. A igreja hoje pode e deve aprender com aquele importante rei da Judéia.


O Encontro

Josias foi um bom rei que procurou fazer o que era reto diante do Senhor, ao contrário de Amon, seu pai, e de seu avô Manassés, que foram reis ímpios e dedicados aos ídolos. Começou a reinar com apenas 8 anos de idade, por volta do ano 640a.C. e no décimo oitavo ano do seu reinado começou os preparativos para iniciar uma reforma no templo. Nesse movimento para a reforma, o sumo sacerdote Hilquias achou o livro da Lei (provavelmente o livro de Deuteronômio) e o entregou ao escrivão Safa, que o leu diante do rei. Ouvindo a leitura do livro, Josias, percebendo que ele e o povo conduziam a vida afastados da vontade de Deus, numa atitude de arrependimento e temor, manda que consultem ao Senhor por ele, pois, dizia ele, “grande é o furor do Senhor que se acendeu contra nós, porquanto nossos pais não deram ouvidos às palavras deste livro, para fazerem segundo tudo quanto de nós está escrito” (II Reis 22:12,13). Daí por diante ele deu seqüência à reforma espiritual que marcou o seu reinado.

É importante notar que essa reforma só foi possível a partir do encontro com a Lei. Não fosse o encontro com a Palavra de Deus, jamais haveria reforma. Deus hoje também está desejoso de operar uma reforma espiritual no meio de sua igreja. No entanto, não haverá reforma sem um encontro sério com a Palavra.

Todo grande movimento sério de avivamento que houve na história da igreja começou com um reencontro com a Palavra. O mesmo pode-se dizer a respeito da Reforma Protestante na Idade Média, liderada por Martinho Lutero, reforma essa que “foi a um tempo reavivamento e revolução” (Timothy George, em “Teologia dos Reformadores”). Da mesma forma que nas épocas antecedentes aos outros períodos de avivamentos, a Reforma também foi precedida de uma época de extrema decadência e frieza espiritual. Quanto a isso, Timothy George diz que “o mal-estar espiritual da baixa Idade Média não foi a causa da Reforma, mas certamente constituiu seu pré-requisito” e faz, em seguida, uma declaração que nos dá condições de entender melhor a condição da igreja pré-reformada:

“Dissemos muito pouco sobre as famigeradas contravenções da igreja pré-reformada: simonia,
nepotismo, mau uso dos benefícios, concubinato clerical, etc. Todos os reformadores, quer ca-
tólicos, quer protestantes, quer radicais, opuseram-se de maneira extrema a essas práticas. En-
tretanto, alguns entre eles também perceberam que era necessário haver algo mais do que um
'pôr a casa em ordem'. Não seria de nenhuma utilidade varrer as teias de aranha se os alicerces
estavam podres. O que se precisava era de uma nova definição da igreja, baseada numa com-
preensão renovada do evangelho”.

Daí podemos saber que a Reforma protestante nasceu da luta pela doutrina da justificação pela fé. Em outras palavras, nasceu a partir de uma releitura da Palavra ou, por assim dizer, nasceu a partir de um reencontro com a Bíblia. A máxima de Lutero era “Sola Scriptura” (Só as Escrituras).

Uma vez que não estamos vivendo um dos nossos melhores momentos na história, onde a igreja pode ser caracterizada pela frouxidão espiritual, pela relativização do pecado e pelos mandos e desmandos de muitos líderes que têm levado muitas ovelhas por caminhos distantes da Palavra do Senhor, está na hora de marcarmos um encontro com a Santa Palavra de Deus. Se o avivamento sucede o declínio espiritual da igreja, então estamos num momento oportuno para a tão esperada reforma. No entanto, como a reforma de Josias, não adianta falarmos em avivamento se não falarmos em um encontro vivo com a Palavra de Deus. Precisamos gastar tempo com ela, estudá-la diligentemente e, até mesmo, metodicamente, mergulhando em suas profundezas, assimilando seus ensinos, saturando-nos com suas palavras.

O estudo da Bíblia não pode ser influenciado pelo ritmo dos tempos modernos. Vivemos a época da velocidade, dos mega-processadores, dos supercomputadores ultravelozes. O homem moderno não tem tempo a perder. Mas, não podemos ter uma relação nesses moldes com a Bíblia. Com ela temos que “gastar tempo”. Parar no tempo serenamente e aprender dela, meditar sobre ela, compreender o que ela tem a nos dizer e saber, através do seu ensinamento, o que Deus quer que sejamos, que façamos e quais são os princípios os quais devem marcar a nossa vida. Lê-la com calma e diligência para sabermos quem somos, quem Deus quer que sejamos, e também quem Ele é. Devemos ser “Maria num mundo de Marta”. A igreja do século 21, se quiser ter o que dizer ao homem moderno, e também a si mesma, precisa marcar um encontro com a Palavra de Deus.


A Confrontação

É claro que a reforma promovida por Josias não foi conseqüência apenas do seu encontro com a Lei. Veja o que diz II Reis 22:11: “Tendo o rei ouvido as palavras do Livro da Lei, rasgou as suas vestes”. A Bíblia de Estudo de Genebra comenta este versículo da seguinte forma: “Josias ficou aflito porque a Lei não estava sendo observada e percebeu que isso desagradava a Deus”.
O rasgar as vestes era símbolo de arrependimento, como comenta a Bíblia Vida Nova:

“Nesta reação se evidencia o efeito da Lei no coração arrependido... As ações do rei demonstram
um verdadeiro arrependimento, o qual rasga o coração e não as vestes. É o arrependimento que
não nasce do formalismo de ir-se à frente em uma reunião pública ou de repetir-se uma oração
lida em um livro”.

O que o rei Josias fez foi confrontar a vida com a Lei e, percebendo o erro, arrependeu-se profundamente. Isto é importante porque não basta conhecer a Palavra se ela não for aplicada ao viver. Não é a Bíblia que deve se submeter ao crivo dos nossos conceitos, mas nossa vida, nossos conceitos, valores e atitudes é que devem se submeter ao crivo da Bíblia. Ela é o gabarito sob o qual a vida deve estar enquadrada. Ela é a autoridade máxima que deve reger todo viver, inclusive a relação com o próprio Deus. Isso porque há muitos que fazem da experiência mística e das emoções o elemento orientador da experiência religiosa. Não se está defendendo aqui uma religiosidade sem a presença de uma experiência espiritual (não estou falando de misticismo!) e sem a presença do aspecto emocional. O que está se defendendo é que toda experiência religiosa e o aspecto emocional, quando houver, devem estar sujeitos à autoridade da Palavra. Por mais real que possam parecer, se contrariarem os princípios bíblicos, devem ser desprezados. Toda vida, toda experiência, todo ato religioso, toda fé, toda doutrina e toda crença devem estar submetidos à revelação das Escrituras.

Talvez hoje esteja faltando essa necessária confrontação da vida e da religiosidade com a Palavra de Deus, com humildade e arrependimento. O problema é que o nosso coração já não dói mais diante da pregação e da leitura que fazemos dela. Parece que agimos como se a pregação não fosse para nós, e sempre achamos que “outros deveriam estar aqui para ouvir isso”. É necessário entendermos que a Bíblia é sempre pessoal. Ela diz a nós, pois é para nós. Ela não é apenas para “os do mundo”, é também para a igreja. A propósito, a maior parte das palavras proféticas, mesmo suas repreensões mais severas, foram dirigidas ao próprio povo de Deus, e todas as epístolas do Novo Testamento foram endereçadas às igrejas cristãs, ou seja, aos crentes, aos que já haviam tido uma experiência de conversão ao Senhor.

Apesar de tudo, sou otimista! Eu ainda acredito na possibilidade de uma reforma. Acredito que ainda diremos muito ao homem do terceiro milênio da era cristã, mas enquanto nos recusarmos a confrontar nossa própria vida com a Palavra de Deus, acho que teremos que esperar um pouco mais. Queira Deus que estejamos dando início a um novo tempo em que Seu povo tenha o coração totalmente dominado por Sua Palavra!

O Ajuste

A reforma de Josias obedeceu a um processo lógico. Não bastava ele ter encontrado o Livro da Lei e fazer a confrontação com a vida se não houvesse disposição para fazer os ajustes. Era necessário conhecer a Lei, assim como confrontar-se com ela, mas era imprescindível aceitar ser moldado por ela. II Reis 23:1-4 diz qual foi a atitude do rei:

“Então, deu ordem o rei, e todos os anciãos de Judá e Jerusalém se ajuntaram a ele. O rei subiu à Casa do Senhor, e com ele todos os homens de Judá, todos os moradores de Jerusalém, os sacerdotes, os profetas e todo o povo, desde o menor até ao maior, e leu diante deles todas as palavras do Livro da Aliança que fora encontrado na Casa do Senhor. O rei se pôs em pé junto à coluna e fez aliança ante o Senhor, para o seguirem, guardarem os seus mandamentos, os seus testemunhos e os seus estatutos, de todo o coração e de toda a alma, cumprindo as palavras desta aliança que estavam escritas naquele livro. E todo o povo anuiu a esta aliança.
Então o rei ordenou ao sumo sacerdote Hilquias e aos sacerdotes da Segunda ordem e aos guardas da porta que tirassem do Templo do Senhor todos os utensílios que se tinham feito para Baal, e para o poste-ídolo, e para todo o exército dos céus, e os queimou fora de Jerusalém, nos campos de Cedrom, e levou as cinzas deles para Betel”.

Assim que Josias compreendeu o que Deus esperava dele e de todo povo, não hesitou em ajustar-se à Lei. Conclamou o povo, leu para ele o livro encontrado e, após todos também concordarem em obedecer às palavras daquele livro, deitou fora tudo o que Deus abominava. Josias corrigiu a vida, consertou o que estava errado, colocou o caminho na pauta de Deus.

Acredito que causaríamos maior influência no mundo, como igreja, se a palavra pregada para que outros se convertam, convertesse primeiro o nosso próprio coração. No ano de 1986, morando na cidade de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, eu e mais alguns irmãos de outras denominações evangélicas fazíamos um trabalho com os menores internos da FUCABEM (Fundação Catarinense do Bem-Estar do Menor). Em uma das reuniões de planejamento um dos integrantes do nosso grupo interrompeu a reunião subitamente e fez uma pergunta que nitidamente o incomodava. A pergunta foi: “A Bíblia é um livro revolucionário?” Todos nós, evidentemente, respondemos que “sim!”, mas parecia que ele não nos ouvia e perguntou de novo: “A Bíblia é um livro revolucionário?” Ao que respondemos da mesma forma. Aí, ele fez outra pergunta: “Então, por que é que nós, os cristãos, ainda não revolucionamos o mundo?” Como esta é uma pergunta complexa, a resposta também o é. Mas, ao final, todos nós concordamos que talvez ainda falte aos cristãos serem, eles mesmos, revolucionados pela Palavra.

O Coração Em Chamas

É muito importante salientar nessa caminhada dos discípulos de Emaús com Jesus que, mesmo com eles perdendo de vista a missão, juntamente com tudo o que a ela estava envolvido em função da suposta morte do Mestre, o Senhor insistia em lhes expor as Escrituras. É maravilhoso percebermos na revelação bíblica que Deus nunca deixou o Seu povo sem Sua Palavra. Sempre houve homens usados pelo Senhor para ensinar ou fazer o povo relembrar da Sua Lei, desde Moisés, passando pelos Juízes, depois pelos profetas anteriores, pelos profetas posteriores, inclusive no cativeiro, com Ezequiel na Babilônia, e com Jeremias em Jerusalém. Foi assim no período da restauração, quando Deus levantou homens zelosos por sua Lei e que procuravam redirecionar o povo na vontade do Senhor, como é, por exemplo, o caso de Esdras, e, mais adiante também no chamado período interbíblico, quando um grupo se levantou contra a helenização, não aceitando ter que deixar de prestar culto a Deus para prestar culto aos deuses gregos, como é o caso do grupo liderado pelos Macabeus, que promoveu uma importante e vitoriosa revolta, conquistando de volta aos judeus o direito de servirem livremente ao seu Deus.

Apesar desse esforço da parte de Deus em jamais deixar Seu povo sem Sua Palavra, infelizmente nem sempre Sua Palavra foi bem recebida. Houve momentos de grande arrependimento. No entanto, houve outros de grande indiferença e frieza, em que a Palavra era anunciada e os corações permaneciam duros e insensíveis. No caso dos discípulos de Emaús não foi assim que aconteceu. Após Jesus partir o pão, abençoá-lo e repartí-lo, “então se lhe abriram os olhos e o reconheceram, mas ele desapareceu da presença deles. E disseram um ao outro: Porventura não nos ardia o coração quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?” (Lc 24:31, 32). Que maravilha! Apesar de tudo, as Escrituras ainda faziam seus corações arder. Ainda estavam sensíveis a elas. Elas ainda os comoviam. No entanto, diferentemente, temos vivido um tempo em que a igreja não tem ouvido com esta mesma sensibilidade a Palavra de Deus. Vivemos tempos de indiferença, onde os corações não ardem mais diante do falar do Senhor. Isso não só por parte dos ouvintes, mas também por parte de quem prega. Só haverá esperança de que a Palavra irá fazer o coração do povo arder quando fizer arder primeiro o coração de quem prega. Mas parece que estamos todos cauterizados, calejados, e já não dói mais. Para alguns pregadores a Bíblia não é mais um instrumento de vida, apenas de trabalho. Alguém já disse que muitos sobem ao púlpito não porque têm algo a dizer, mas porque têm que dizer algo.

Estamos carentes de homens e mulheres que voltem a se comover com a Palavra de Deus, tendo a mesma reação do rei Josias, que rasgou as suas vestes humilhado e mandou consultar ao Senhor por ele. Precisamos de homens e mulheres que voltem a chorar diante da Palavra, a cair em prantos quando perceberem a gravidade dos seus pecados. Que ainda sejam capazes de se comoverem de emoção ao olharem para a cruz nas páginas da Bíblia e, não como produto de uma emoção barata, mas de uma reação sincera que deveria ser próprio de quem contempla a amplitude do amor de Deus, que caiam prostrados com o rosto em terra em atitude de devoção e consagração ao Autor da vida. Que a Palavra de Deus volte a deixar nossos corações em chamas!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

HOMOS-SEXUS / O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE



INTRODUÇÃO DO LIVRO (lançamento em junho pela Abba Press - www.abbapress.com.br)

Há temas sobre os quais é sempre válida uma nova abordagem, tanto à guisa de informação quanto de proporcionar novas oportunidades de reflexão a partir de um outro olhar. E um desses temas é certamente o da homossexualidade.

O termo homossexual é formado pela junção de uma palavra de origem grega (homos = igual) com outra que vem do latim (sexus = sexo), e significa “igual no sexo”, em referência à preferência, ou atração sexual, por parte de uma pessoa (embora também ocorra entre animais), seja homem ou mulher, por outra do mesmo sexo. À homossexualidade feminina é dado o termo de lesbianismo ou safismo, em referência à ilha grega de Lesbos, um importante centro cultural onde vivia a poetisa Safo, entre os séculos VI e VII a.C, cujos poemas, muito admirados, cantavam o amor e a beleza em sua maioria dirigidos às mulheres. Já o termo gay ao longo do tempo tem adquirido um caráter mais político do que comportamental, cabendo aos “movimentos gay” a tarefa de lutar pelos direitos dos homossexuais por meio de eventos, como, por exemplo, a Marcha Gay, ou através de suas associações e organizações políticas que têm grande poder de influência nos vários mecanismos políticos, sociais e de comunicação de massa.

Por conta dos movimentos gay e da mídia esse tema tem sido trazido à tona com extrema regularidade, principalmente em face da chamada “Lei da Homofobia”, através da qual os homossexuais pretendem garantir principalmente o direito de serem aceitos na sociedade livres de toda sorte de preconceitos e hostilidades. E é justamente aí que entra a igreja. Ela tem sido acusada de ser homofóbica por tradicionalmente não concordar com a homossexualidade, e alguns de seus líderes já sofreram processos judiciais antes mesmo de a lei ser aprovada, como foi o caso do pastor luterano Ademir Kreutzfeld que, no ano de 2006, foi processado por homofobia pelo ativista gay responsável pelo jornal O Tropeiro, da cidade de Rancho Queimado, em Santa Catarina, porque preocupado com a promoção da homossexualidade feita em uma matéria do jornal, questionou os comerciantes locais a respeito do patrocínio dado àquele tipo de reportagem.

Em razão disto, entre outras coisas, penso que a igreja deve se posicionar a respeito da homossexualidade com base em um conceito mais elevado do ser humano e a partir de uma leitura contextualizada da Palavra de Deus sem, entretanto, ter que abrir mão dos valores absolutos que devem nortear sua vida, sua caminhada e sua conduta em relação ao indivíduo e aos temas que dizem respeito ao mundo em que ela está inserida. Sendo assim, é útil também perguntar qual é a proposta que o cristianismo oferece ao homossexual.

Devo admitir que apresentar uma resposta objetiva e cabal pode incidir no erro de se supor que quem a responde tem a interpretação definitiva do texto bíblico e da questão homossexual. É por isso que este livro pretende apresentar uma proposta cristã, considerando que ela parte de uma linha de interpretação da forma como o cristianismo compreende a temática da homossexualidade. Embora a premissa deste livro seja a partir de uma proposta, isso não significa que não se procurou dar consistência bíblica e teológica à argumentação. A linha interpretativa do texto bíblico aqui desenvolvida caminha pela via da ortodoxia cristã, porém o indivíduo, seus sentimentos e sua história não são deixados de lado, o que inevitavelmente interfere nos caminhos para os quais as propostas apresentadas apontam.

Este livro não tem a pretensão de trazer algo novo sobre a homossexualidade, até porque penso que esse conceito está um tanto desgastado. É muito comum o uso da frase: “de acordo com as novas pesquisas sobre a homossexualidade...”, e a partir daí se desenvolver um discurso como se estivessem trazendo à lume algo absolutamente novo sobre este tema. A bem da verdade, o que eu percebo é que o que se encontrou foram apenas novas formas de se defender as mesmas antigas teses ainda em cima de muitas conjeturas tanto da parte dos que são a favor da homossexualidade quanto dos que lhe são contrários, embora esses últimos com menor consistência, admitindo-se que os defensores da causa homossexual investiram em uma nova forma de abordagem em que se procurou dar maior fundamentação científica à questão ou uma interpretação bíblica primando por maior consistência histórico-textual, embora essa consistência não signifique necessariamente precisão porque, para isso, vai depender da chave hermenêutica adotada. Nesse quesito, os que têm posicionamento contrário à homossexualidade nem sempre têm elevado o nível da abordagem, ficando em muitos casos ainda reféns de uma argumentação ultrapassada, permeada pela intolerância e pelo preconceito em relação ao indivíduo homossexual.

Também é importante que se diga que esta obra não é um tratado científico sobre a homossexualidade, não tem a pretensão de colocar um ponto final na discussão e nem objetiva promover um debate acadêmico sobre o assunto, pelo simples fato de que sua proposta não é científica nem acadêmica, mas pastoral. Por isso, é importante que o leitor a leia considerando esse propósito em particular, pois o que se pretende aqui é oferecer uma contribuição mais pragmática e menos teórica ou conceitual, levando sempre em conta o indivíduo, mas sem abrir mão do que a Palavra revelada de Deus tem a dizer. É esse o esforço empreendido.

É possível que a proposta deste livro apresentada aqui esteja muito acima do que o seu conteúdo seja capaz de alcançar, e com toda certeza, ao mesmo tempo em que poderá agradar a alguns, também desagradará a outros. Porém, se provocar no leitor que não é homossexual a abertura de uma janela por mínima que seja em sua mente e em seu coração que lhe dê a possibilidade de reler o indivíduo homossexual de forma mais justa e humana, e no leitor de orientação homossexual, se for o caso, algum vislumbre a mais a respeito de si mesmo sob a ótica do evangelho e do propósito de Deus aqui apresentado para sua vida, já terá sido útil. Entretanto, mesmo que isso não ocorra, mas se servir pelo menos para avaliação e reafirmação de conceitos preestabelecidos, ainda assim terá valido a pena.

Jease Costa

O Projeto de Deus Com a Ressurreição de Jesus

Por Jease Costa (Usado do meu livro "Sua Igreja Está No Caminho Certo?", publicado pela Abba Press. Usado com permissão)

A ressurreição de Jesus tornou possível um grande projeto de Deus. Ao lermos a Bíblia, vemos o trabalho de Deus para aproximar-se do seu povo. No Antigo Testamento temos um Deus relativamente distante. Não eram todos que recebiam o Seu Espírito; não eram todos que O ouviam falar diretamente, e não eram todos que podiam entrar em Sua presença. Presença essa que, em alguns casos, causava verdadeiro temor e tremor. Lembra-se de quando Moisés subiu ao Sinai para receber a Lei? Veja bem o que o texto diz:

“E o Senhor disse a Moisés: vá ao povo e consagre-o hoje e amanhã. Eles deverão lavar as suas vestes e estar prontos no terceiro dia, porque nesse dia o Senhor descerá sobre o monte Sinai, à vista de todo o povo. Estabeleça limites em torno do monte e diga ao povo: tenham o cuidado de não subir ao monte e de não tocar na sua base. Quem tocar no monte certamente morrerá; será apedrejado ou morto a flechadas. Ninguém deverá tocá-lo com a mão. Seja homem, seja animal, não viverá. Somente quando a corneta soar um toque longo eles poderão subir ao monte... Ao amanhecer do terceiro dia houve trovões e raios, uma densa nuvem cobriu o monte, e uma trombeta soou fortemente. Todos no acampamento tremeram de medo” (Ex 19:10-16).

Percebemos, também, a distância de Deus em relação aos seu povo nas funções dos sacerdotes e dos sumo-sacerdotes. Eles eram intermediários entre o povo e Deus. Os sacerdotes recebiam as ofertas do povo para o sacrifício, e mais específicas ainda eram as funções do sumo-sacerdote. Só ele podia entrar no lugar santíssimo, que era o símbolo do lugar mais próximo de Deus no tabernáculo, e mais tarde no templo. Ele entrava lá apenas uma vez por ano, e também entrava com medo de morrer. Era assim. O povo não podia entrar e quem podia entrava com medo. Mas Deus não queria isso. Seu grande projeto era habitar no coração de Seus filhos, e esse projeto só poderia ser concretizado na pessoa do Cristo ressurreto. O apóstolo João diz em seu prólogo: “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1:14).

A encarnação de Cristo foi o primeiro passo para a aproximação. Primeiro Deus está lá no monte, o monte fumega, tem raios e trovões, e ainda quem se aproxima morre. Com a encarnação de Jesus o quadro já muda. Ele não está mais no monte. Ele desce do monte e constrói seu tabernáculo, ou sua casa, ao lado da nossa e vive entre nós. Agora Ele já caminha conosco, podemos vê-Lo, ouvi-Lo e até mesmo tocá-Lo.

Isso foi realmente um grande acontecimento, mas ainda não bastava, até porque essa presença não poderia ser para sempre. Um dia não O teríamos mais presente fisicamente conosco. Ele teria que morrer. Porém Ele queria aproximar-Se ainda mais. Ele não queria apenas viver entre nós, Ele queria viver em nós e para isso teria que cumprir mais uma etapa nesse processo do grande projeto do Pai. A última etapa era a ressurreição.

“Depois do sábado, tendo começado o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. E eis que sobreveio um grande terremoto, pois um anjo do Senhor desceu dos céus e, chegando ao sepulcro, rolou a pedra da entrada e sentou-se sobre ela. Sua aparência era como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve. Os guardas tremeram de medo e ficaram como mortos. O anjo disse às mulheres: Não tenham medo! Sei que vocês estão procurando Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito. Venham ver o lugar onde ele jazia” (Mt 28:1-6).

Agora, o grande projeto de Deus estava consumado. Jesus estava vivo e a partir de agora, por meio do Espírito Santo, faria do coração dos seus discípulos o lugar da Sua morada. A perda da visão da ressurreição de Cristo significa a perda da visão de Sua presença real em nossos próprios corações! Parece-me que entramos em um novo século, esquecidos de que o lugar que Ele quer habitar é o nosso coração. Acho que estamos vivendo os tempos de Laodicéia. Muitos recursos, poder e possibilidades, mas Jesus está do lado de fora. Vejam o que Ele diz àquela igreja: “Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e que está nu... Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3:17-20). Está na hora da igreja atender àquEle que bate à porta. Não é bom deixá-Lo do lado de fora. Ele é o Messias que liberta o nosso coração das cadeias do pecado e Suas palavras, que são verdadeiras, nos inserem em um novo padrão de vida. Seu poder continuará operando em nossos corações e em nossas vidas. Nossa missão agora tem novo significado e, dessa forma, Ele vivo e ressurreto, torna-se acima de todo homem, poder ou potestade, fazendo-Se digno de toda honra, glória, adoração e louvor.

Eia, levantemo-nos e andemos! O nosso Senhor está vivo! Temos um trabalho a fazer e Ele está ao nosso lado e, por certo, segurará as nossas mãos e nos dará poder para vencer. Ainda temos um Messias; Ele é, de fato, o Cristo de Deus. Portanto, podemos manter firme a nossa fé nEle que nos dará a vitória e seremos bem sucedidos. A partir de agora podemos andar com Ele em uma comunhão profunda de amor e, por causa disso, como igreja, somos o verdadeiro templo do Senhor.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Igreja: Um Povo Marcado Pela Cruz

Por Jease Costa (Retirado do meu livro "Sua Igreja Está No Caminho Certo?", pela editora Abba Press)

A igreja deve ser marcada pela cruz. Na verdade, ela jamais deveria perder de vista a centralidade da cruz. A cruz deveria sempre ocupar um lugar de proeminência na sua vida, obra e pregação. Mas, infelizmente, com o passar do tempo, ela foi perdendo de vista a cruz de Cristo e a imagem está agora distante, já um pouco embaçada pela névoa da indiferença para com aquele sacrifício que tornou possível o seu resgate e a sua existência como povo, como igreja, e que deu o significado da sua vocação.

Uma vez que a igreja deve estar centrada na cruz, ela deve também ser marcada por ela. E a primeira marca, das que quero abordar, é a marca da "abnegação". Ao olhar para a cruz vemos a abnegação encarnada naquele que estava pregado nela, e isso deve interferir profundamente na vida dos que são chamados seus discípulos. Em Marcos 8:34 Jesus diz: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Os romanos obrigavam os condenados a levarem a própria cruz (mais precisamente o “braço” da cruz) até o local da execução. O Dr. Stott, no livro “A Cruz de Cristo”, citando H. B. Swete, diz: “Tomar a cruz e seguir a Jesus ‘é colocar-se na posição de um condenado a caminho da execução’”. Isto significa dizer que uma das marcas que a cruz deve deixar na igreja é a marca da morte. Não a morte física nem a morte da condenação eterna, pois esta a cruz aniquilou, mas a morte do eu, do egocentrismo. É a morte para a vontade e querer próprios. Nossa vida, sonhos e destino não deverão mais ser determinados pelo nosso próprio querer, pois agora há uma outra lei e autoridade sob a qual tudo o que chamamos “nosso” deverá estar sujeito. A igreja de Cristo deve ser uma comunidade povoada por homens e mulheres dispostos, a cada dia, a levar a própria cruz, ou, por assim dizer, dispostos a morrer cada dia um pouco mais para o “eu”, a fim de que possa ser, como seguidora do Senhor, instrumento em Suas mãos para completar a Sua Obra, identificando-Se com seu Senhor. Se a cruz deve estar no centro da vida da igreja, está por causa daquele que estava nela, e Ele deu o maior exemplo de abnegação para os seus seguidores em sua oração no Getsêmani, quando se aproximava da Sua hora: “Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt. 26:39).

Uma segunda marca que a cruz deve deixar na igreja é a marca da "autocompreensão". A cruz tem lentes, lentes macroscópicas que nos fazem enxergar melhor. E uma das coisas que a igreja pode ver melhor através da cruz é a si mesma, pois, além de nos dar condições de perceber a origem divina de nossa vocação, ela nos dá uma visão mais clara da nossa dimensão humana, ou seja, ela nos faz visualizar nossas limitações impostas pela nossa humanidade. A experiência com o Cristo da cruz, se por um lado nos torna melhores humanos, por outro não nos torna menos humanos. A igreja não é uma comunidade de supra-humanos, mas de pessoas, de homens e mulheres que, muito embora salvos e redimidos, continuam com todas as limitações da condição humana. Isto quer dizer que ela continua sujeita a falhas, pecados e até mesmo a todas as dores a que estão sujeitas todas as pessoas. A cruz nos mostra isso no fato de que foi justamente por causa dessa nossa humanidade decaída que Cristo veio a morrer. A falta dessa compreensão tem causado muitos estragos. Muito embora afirmemos que a igreja deve ter um comportamento santo, não estamos querendo dizer que um crente jamais cometerá pecados, mas que ele deve sempre buscar um viver cada vez mais santificado. No entanto, mesmo assim, é provável que falhará, e isso porque está preso à sua humanidade decaída. Quanto a isto, a igreja, teoricamente, concorda, mas quando um dos seus cai, ela geralmente age de forma aniquiladora, muitas vezes não se importando se houve ou não arrependimento. Não estou querendo dizer que não deva haver disciplina. É claro que deve, mas o alvo da disciplina é sempre a restauração. Disciplinar significa ensinar, instruir com o objetivo de corrigir, formar ou reformar o caráter. Disciplinar não é cortar fora, aniquilar, matar. Disciplinar tem a ver com vida e não com morte. O texto de Isaías 42 fala a respeito da vinda do Servo do Senhor, do papel que deveria cumprir e dos métodos que deveria adotar. O verso 3 diz: “não quebrará o caniço rachado, e não apagará o pavio fumegante. Com fidelidade fará justiça”. Este é um texto messiânico e Jesus é identificado como sendo esse Servo. Note como ele fará a justiça: “não quebrará o caniço rachado nem apagará o pavio fumegante”. É bem mais fácil quebrar e arrancar fora a cana rachada e conseqüentemente envergada, do que colocar um suporte para que se firme outra vez. É mais fácil apagar de uma vez o pavio da lamparina que está fumegando do que colocar mais óleo para que volte a iluminar. O papel do servo do Senhor é restaurar e não arrancar fora. No entanto, em muitos casos, a igreja hoje tem andado em caminho contrário ao que anda o seu Senhor. Ao invés de colocar suporte, ela tem quebrado e arrancado as vidas rachadas e envergadas pelos pecados e misérias humanas e, ao invés de alimentar com o óleo, ela tem apagado de vez muitas vidas que poderiam estar ainda brilhando. A cruz nos dá visão da nossa humanidade não para sermos complacentes com o erro e o pecado, mas para sermos mais humildes e misericordiosos, pois ela nos mostra também que somos todos iguais e sujeitos às mesmas paixões e fraquezas e, conseqüentemente, totalmente dependentes da Graça daquEle que nela morreu.

Outra marca da cruz que a igreja deve carregar é o "amor sacrificial". Até porque amor sem sacrifícios não é amor, e a cruz é a expressão mais forte e contundente desse amor. Amor que doa e que se doa sem reservas. Amor por Deus como resposta ao Seu amor por nós, e amor ao próximo como resposta do nosso amor por Deus. Quando olhamos para a cruz, não vemos mais um homem pregado nela. Vemos o amor no seu mais belo fulgor. Quando olhamos para aquelas mãos e pés perfurados com pregos, não vemos mais sangue escorrendo. Vemos o amor vazando daqueles poros, encharcando o chão do calvário e, por fim, inundando toda a terra, todo o cosmos, buscando penetrar todos os nossos corações. E uma vez alcançando os nossos corações, converte-nos a que também amemos. Às vezes percebemos um esforço tremendo em nossas igrejas para a aquisição de bens de todos os gêneros, mas bastaria à igreja saber que o bem maior que ela deve ter é a capacidade de amar. Uma igreja que não ama perde a razão de ser e se torna estéril, pois só o amor pode produzir vida; e a igreja deve ser celeiro de vida. Esse amor é tão importante para a igreja que até mesmo os dons espirituais só fazem sentido num ambiente em que ele está inserido. Leia com atenção, e como se você só estivesse conhecendo agora, o que o apóstolo Paulo diz a respeito do amor em sua primeira carta à igreja de Corinto, no capítulo 13:


“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.
O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca perece, mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará. Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era menino falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem deixei para trás as coisas de menino. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então conhecerei plenamente, da mesma forma que sou plenamente conhecido.
Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor”.


E a última marca da cruz que quero abordar aqui, das que a igreja deve ter, é a "alegria". Isso parece uma tremenda contradição, pois a cruz é um lugar de horror, punição severa e cruel para malfeitores e rebeldes e, muito embora nosso Senhor não houvesse sido malfeitor nem rebelde, foi esmagado cruelmente nela. Como, então, ela pode marcar a igreja com alegria? A alegria não é pelo horror nela exposto, mas por causa dos seus resultados: o perdão, a propiciação, a justificação, a paz com Deus e, por fim, a garantia da salvação eterna. Com tudo isso, como não estar com o coração cheio de regozijo e transbordante de graça? Os resultados da cruz não enchem apenas o nosso coração de alegria, mas também o coração de Deus. Ele alegra-se ao ver Seus filhos alegres. No entanto, participamos de cultos em algumas igrejas que parece até que o sorriso é coisa proibida e má. Não há alegria, não há festa, não há cânticos de júbilo. O salmista, no Salmo 100, conclama o povo a “celebrar com júbilo ao Senhor” e a “servir ao Senhor com alegria”. O livro do profeta Isaías, em mais outra passagem messiânica, no capítulo 61, e falando das funções do Messias, diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor ungiu-me para levar boas novas aos pobres... e dar a todos os que choram em Sião uma bela coroa em vez de cinzas, óleo de alegria em vez de pranto, um manto de louvor em vez de espírito deprimido” (Vss 1-3). Era esse o papel do Cristo: trazer alegria aos deprimidos. E o lugar onde Ele concluiria Sua Obra era a cruz. Portanto, apesar do horror e da dor a que foi submetido nosso Senhor, a cruz deve marcar o povo de Deus com a alegria de Deus.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Qual seria a resposta cristã à morte de Bin Laden?

Extraído de: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=42894


"Fico feliz que Osama bin Laden tenha deixado o mundo. E rezo para que a sua partida possa levar à paz. Mas, como cristão e norte-americano, é-me pedido que eu reze por ele e, em algum momento, lhe perdoe."

A opinião é do jesuíta norte-americano James Martin, editor de cultura da revista dos jesuítas dos EUA, America. Martin é autor de best-selllers dos EUA como My Life with the Saints [Minha vida com os santos] (2006) e The Jesuit Guide to (Almost) Everything: A Spirituality for Real Life [O guia jesuíta para (quase) tudo: Uma espiritualidade para a vida real] (2010). O artigo foi publicado no blog da revista America e no sítio The Huffington Post, 02-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Como alguém que trabalhou no "Ground Zero" nos dias e semanas após o 11 de setembro me alegrei ao ouvir que o longo reinado de terror de Osama Bin Laden, que havia distribuído morte, destruição e miséria indescritível a milhões de pessoas em todo o mundo, tinha finalmente chegado ao fim. Como cristão, no entanto, não posso me regozijar com a morte de um ser humano, independentemente de quão monstruoso ele fosse.

Na manhã do dia 11 de setembro de 2001, eu estava trabalhando no meu escritório da revista America em Manhattan. Minha mãe, que vive na Filadélfia, me telefonou para me dizer que um avião havia atingido o World Trade Center. Quando eu corri para fora do meu escritório e olhei para a Sixth Avenue, pude ver as torres queimando, com uma fumaça preta como tinta escorrendo dos seus topos. As sirenes já estavam estridentes, e homens e mulheres estavam correndo pelas ruas chorando, tentando freneticamente fazer chamadas em telefones celulares para seus entes queridos.

Os poucos dias seguintes foram um borrão horrível para mim e para todos os nova-iorquinos. Para todos os norte-americanos. Na noite do 11 de setembro, eu trabalhei no Chelsea Piers, em Nova York, juntamente com bombeiros, socorristas e capelães. Aguardávamos sobreviventes, que nunca vieram. Na manhã e na tarde do dia 12 de setembro, eu me sentei com membros de famílias estarrecidos em uma grande sala da New School no centro de Manhattan, lendo com atenção as listas de sobreviventes do hospital, dos quais havia quase nenhum.

Então, no dia 13 de setembro, enquanto eu estava trabalhando no Chelsea Piers, um oficial de polícia me ofereceu uma carona ao Ground Zero, então chamado simplesmente de "o lugar". Lá, eu passei os próximos dias e semanas, em meio às minhas atribuições no trabalho e junto com outros jesuítas, ministrando aos funcionários do resgate, entre os destroços fumegantes e fedorentos, em alguns lugares ainda em chamas, antes da vala comum.

Caminhávamos sobre a imensa quantidade de detritos dos ataques, rezávamos com os bombeiros que perderam amigos, aconselhávamos socorristas que haviam visto coisas horríveis, celebrávamos a missa sobre os escombros, e saíamos cobertos de poeira cinzenta do Ground Zero todos os dias.

Por isso, eu não sou cego diante da morte e da destruição causadas por Osama bin Laden.

No entanto, os cristãos estão no meio do período da Páscoa, quando Jesus, o inocente, não só ressuscitou triunfante dos mortos, mas, na sua vida terrena, perdoou seus algozes na cruz, em meio a dor excruciante. O perdão é o mais difícil de todos os atos cristãos (o amor, em comparação, é mais fácil). Também é, de acordo com Jesus, algo que se entende não ter limite. Sem fronteiras.

Pedro lhe perguntou quantas vezes ele deveria perdoar. Sete vezes? "Não sete vezes", respondeu Jesus, "mas, digo-vos, até setenta vezes sete". Em outras palavras, vezes sem conta. "Perdoe seu irmão ou irmã do fundo do seu coração", disse ele. Isso não é negar o lugar do julgamento e da justiça aos olhos de Deus, pois tal negação significaria que acreditamos em um Deus que não se interessa pelos assuntos humanos. Mas o julgamento e a punição, diz Jesus, cabem a Deus.

Então, a questão é se o cristão pode perdoar um assassino, um assassino em massa, até mesmo – como no caso de Osama bin Laden – um coordenador de assassinatos em massa ao redor do globo. Eu não tenho certeza se eu seria capaz de fazer isso, especialmente se eu tivesse perdido um ente querido. Mas, assim como com outras questões de "vida", não podemos ignorar o que Jesus pede de nós, por mais difícil que seja para compreender. Ou para fazer.

Porque essa é uma questão de "vida" assim como qualquer outra. O cristão não é simplesmente em favor da vida para o nascituro, para o inocente, para aqueles com quem nos importamos, para nossas famílias e amigos, para os nossos concidadãos, para os nossos companheiros da Igreja ou até mesmo para aqueles que consideramos com bons, mas sim para todos. Toda vida é sagrada, porque Deus criou toda a vida. É isso que está por trás do mandamento mais difíceis de Jesus: "Eu vos digo: amai os vossos inimigos e rezai pelos que vos perseguem".

Também é isso o que está por trás da declaração do Vaticano de hoje, que equilibra o desejo por um fim ao terror com a santidade da vida, independentemente de quão odiosa seja a pessoa: "Osama bin Laden, como todos sabemos, teve a gravíssima responsabilidade de difundir divisão e ódio entre os povos, causando a morte de inúmeras pessoas, e de instrumentalizar as religiões para esse fim. Frente à morte de um homem, um cristão não se alegra jamais, mas reflete sobre a grave responsabilidade de cada um diante de Deus e dos homens, e espera e se empenha para que todos as situações não sejam ocasião para um maior crescimento do ódio, mas sim da paz".

E está por trás do ato mais cristão do Papa João Paulo II, beatificado no mesmo dia em que Osama bin Laden foi morto. Talvez a confluência de eventos seja providencial. Como alguém que viveu sob o nazismo e o comunismo, João Paulo não era indiferente ao terror ou aos assassinatos. Mas ele também era um cristão que conhecia a centralidade do perdão, mesmo para os crimes mais graves.

Em 1980, ele foi vítima de uma tentativa de assassinato por Mehmet Ali Agca, um ultranacionalista turco. Um dos primeiros atos do Beato João Paulo II após a sua recuperação foi viajar até a cela de Agca na cadeia e oferecer-lhe a valiosa graça do perdão.

Osama bin Laden foi o responsável pelo assassinato de milhares de homens e mulheres nos Estados Unidos, pelas mortes e pela miséria de milhões de pessoas em todo o mundo, e pela morte de muitos soldados homens e mulheres, que fizeram o sacrifício supremo de suas vidas. Fico feliz que ele tenha deixado o mundo. E rezo para que a sua partida possa levar à paz.

Mas, como cristão, é-me pedido que eu reze por ele e, em algum momento, lhe perdoe. E esse mandamento nos vem de Jesus, um homem que foi espancado, torturado e morto. Esse mandamento vem de um homem que sabe muito sobre o sofrimento. Ele também vem de Deus.