quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

BIG BROTHER BRASIL, O AVESSO DO AVESSO



Por: Jease Costa

Esses dias li uma matéria em que o Pedro Bial, comentando as críticas que o programa Big Brother Brasil tem recebido de algumas fontes, disse aos confinados surpreendentemente que o programa revela muito mais de quem o assiste do que dos participantes que estão lá para serem vistos: “E é verdade” – disse ele – “não é só um programa de televisão. É um espetáculo de natureza humana que, ao contrário do que rumina o senso comum, sem dúvida revela muito mais sobre a natureza de quem espia do que de quem é espiado. Revela muito mais sobre quem vê do que sobre vocês que estão aí para ser vistos.”

Embora eu respeite quem o faça, eu não assisto ao programa Big Brother Brasil. A bem da verdade, só a chamada nos intervalos comerciais já me causa mal estar. Não me causa nenhum sentimento positivo e nem me agrega nenhum valor dispor de tempo para assistir a um programa em que homens e mulheres partem desenfreadamente em busca de sabemos lá o que. E o pior é que não há limites, tudo justificado pelo “jogo”, pela “disputa”. Os participantes injustificadamente expõem os aspectos mais sombrios de suas personalidades. No início do BBB12 uma das participantes disse que se masturba todos os dias, e mais recentemente um outro, após dar um beijo em outra companheira de disputa, disse que ela “terá orgasmos todas as noites”. É exatamente como disse Pedro Bial em uma edição mais antiga: “não existe pecado na casa do Big Brother Brasil”, talvez reeditando o conceito filosófico de Friedrich Nietzsche, que vociferava que a moral é um instrumento dos fortes com o propósito de dominar dos fracos, e também de Sigmund Freud, ao dizer que a verdadeira felicidade só seria alcançada quando nos libertássemos de todos os padrões éticos a que somos culturalmente submetidosos, embora não conste que Nietzsche tenha sido tão feliz assim e que percebamos, no caso de Freud, que os registros históricos dão conta de que ele admitiu que sem um padrão ético ou moral as sociedades estão fadadas à extinção, fazendo coro com um conceito de Jacques-Marie Émile Lacan, ao defender a necessidade da lei como um instrumento limitador do gozo, afirmando que o gozo sem limites leva à auto-destruição.  

Me permita fazer algumas reflexões com base no que disse o apresentador Pedro Bial. O programa revela muito mais do que apenas o caráter de quem o assiste. Primeiro ele revela o caráter de quem o produz, no caso a Rede Globo de Televisão. Os meios de comunicação, por conta do lucro, perderam a grande oportunidade, com base no poder que detêm, de contribuir para a construção do país, auxiliando na formação de uma sociedade mais saudável do ponto de vista moral, uma vez que é inescapável o fato de que o instrumento que informa é também o instrumento que forma, e até mesmo que reforma. O problema é que o conceito do valor da moral está desgastado em nosso mundo pós-moderno, já que uma de suas premissas rege que não há valores absolutos, pois “tudo o que é concreto se desmancha no ar”. O importante é se te faz bem e te dá prazer, e a verdade cada um tem a sua, desde que lhe faça bem. Entretanto, independentemente de uma orientação religiosa, o ser humano foi criado com uma inclinação interna que o submete a uma Lei Moral. Não precisa ser religioso para perceber isso, basta existir. É como se tivéssemos sido criados para Algo maior do que nós mesmos, e essa Lei interna colocada no cerne do nosso ser nos impele para esse Algo maior. E o que os meios de comunicação têm a ver com isso? Muita coisa, uma vez que, abrindo mão da oportunidade de ser útil do ponto de vista moral, cinicamente investem apenas no que pode dar lucro, mesmo que isso contribua para que os abismos moral e social se alastrem. Há quem argumente que a televisão apenas reflete a moral da sociedade, quebrando a hipocrisia de supostos falsos moralistas que insistem em não ver o que está patente aos olhos de todos. Só que essa argumentação deixa de considerar a perversa relação paradoxal que existe entre os meios de comunicação e os valores da sociedade, uma vez que ao mesmo tempo em que a televisão reflete os valores da sociedade, a sociedade tem seus valores influenciados por aquilo a que é induzida pelo que é colocado no ar, e nesse caso há uma verdadeira ditadura moral exercida pelos meios de comunicação, principalmente a televisão. Com base nisso é comum os que fazem parte do meio artístico chamarem de falsos moralistas todos os que repudiam a imoralidade e a alarmante falta de pudor exposta diuturnamente nos programas televisivos. Assim, o lado perverso do programa revela a perversidade de quem o coloca no ar.

Em segundo lugar, o programa reflete, sim, a natureza de quem é espiado. É inacreditável do que algumas pessoas são capazes por alguns momentos de fama ou por alguns milhares de tostões. Diante da exposição pública, ao invés de utilizarem a oportunidade para tornar patente o que têm de melhor, elas tornam público exatamente o que têm de pior. É um verdadeiro tributo ao mau gosto, ao discurso pueril, à degradação moral, ao incentivo ao consumo de álcool e à promiscuidade. E o pior é que são definidos pelo apresentador como “guerreiros”. Mas eles são guerreiros de que causa? Por quê lutam? Os guerreiros antigos via de regra lutavam pela honra, pela liberdade do seu povo, contra a tirania dos malfeitores, contra o ímpeto dos opressores, fossem suas armas bélicas ou dialéticas. E se hoje gozamos de alguma liberdade ou benefício social e humano, devemos isso a esses guerreiros. Mas ao que parece já não se fazem mais guerreiros como antigamente. A luta, hoje, com base no que representa o BBB, é em favor da tirania moral, da quebra de todas as regras expondo uma tremenda confusão conceitual entre liberdade e libertinagem; do levar vantagem sobre o outro, mesmo que para isso seja necessário traí-lo, armar ciladas e promover conluios. O programa BBB revela que os propósitos dos seus “guerreiros” vão além do prêmio final em si, visando também atrair a curiosidade dos telespectadores usando como instrumento o que há de mais perverso entre os seus participantes. Além do mais, é vergonhosa a exposição de cenas de sexo explícito em baixo dos edredons na tela de nossas televisões banalizando um dos elementos mais sublimes da constituição humana, que é sua sexualidade. Se o programa não revela a inadequação moral de boa parte de seus participantes, então ou tudo não passa de uma tremenda farsa (o que seria pior), ou, então, precisamos rever nossos conceitos.

E em último lugar, é verdade, pelo menos em parte, que Pedro Bial tem razão. O programa também revela aqueles que o “espiam”. Infelizmente muitos de nós somos atraídos pelo absurdo. Programas como esse só existem porque há quem os consomem. E isso não é privilégio de nós brasileiros apenas. Isso faz parte da saga comportamental humana em todo lugar onde há ser humano. Muitos são atraídos pelo absurdo que há no outro, mas também devemos admitir que em muitos casos o absurdo do outro é reflexo do absurdo de nós mesmos. Jean-Paul Sartre disse que “o inferno são os outros”. Se isso é verdadeiro, não é menos verdadeiro que o inferno também sou eu, uma vez que eu sou o outro em relação aos outros. E o que faz os outros serem o inferno para mim é exatamente o que me faz ser o inferno para eles. A bem da verdade, todo absurdo que enxergamos no comportamento dos outros existe em nós pelo menos em termos potenciais. Qual o problema, então, quando essa realidade é exposta em um programa como o Big Brother Brasil? O problema é que alguns fazem da lama o seu parque de diversões. Uma coisa é atestar um fato, outra é se divertir com ele, mesmo sendo esse fato moralmente inadequado, vazio de sentido ou que promova desconstrução social. O caso é tão grave que os promotores do programa são irônicos tanto com os que o assistem (como é o caso do Pedro Bial ao dizer que o programa revela muito mais de quem o assiste), quanto com os que participam dele se confinando na casa. Veja o que o Boni perguntou ao Bial após ele dizer no programa Altas Horas que gosta de ver coisa ruim na televisão: “Quer dizer que você assiste ao BBB?” Bem, é evidente que isso não significa que todos os que assistem ao BBB são pessoas vazias e inadequadas moralmente, mas sempre vale uma reflexão a respeito da causa que possa justificar um indivíduo passar algum tempo todos os dias para ver um programa que traz tão pouco benefício em qualquer sentido.

Pedro Bial disse que o programa é o “espetáculo da natureza humana”. De duas uma: ou ele precisa rever seu conceito de “espetáculo” ou seu conceito da natureza humana.

Salve, salve, meus guerreiros!