quarta-feira, 23 de março de 2011

"Reencontramos a coragem de falar com os ateus"

Entrevista com o cardeal Gianfranco Ravasi (Instituto Humanitas: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41635)

Católicos e ateus, crentes e agnósticos: face a face na Paris dos Iluministas para uma cúpula inédita promovida pelo cardeal Gianfranco Ravasi, ministro da Cultura vaticano. Parceiros do diálogo que ocorrerá entre os dias 24 e 25 de março são a Unesco, a Sorbonne, o Institut de France, o "parlamento dos sábios" que reúne as cinco grandes academias francesas. É uma nova página na história da Igreja, a tentativa de enfrentar o terceiro milênio deixando de considerar ateus e agnósticos como inimigos ou deficientes espirituais.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 20-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"Anticlericalismo e Clericalismo" devem ser superados, é a opinião do purpurado. Porque "fechar-se em seu próprio recinto é uma doença tanto para as religiões quanto para o mundo laico e para uma ciência que pretenda dar as respostas a todas as perguntas".

A iniciativa surgiu por impulso de Bento XVI, que, em 2009, afirmou em Praga que deveria ser estimulado o encontro com os não crentes e indicou no Átrio dos Gentios do antigo Templo de Jerusalém o espaço onde os aderentes a outras religiões podiam se aproximar do Deus Desconhecido. Na frente de Notre Dame, onde ocorrerá um espetáculo para os jovens, chegará uma videomensagem do Papa.

Eis a entrevista.

Cardeal Ravasi, vocês começam na França, o Anticristo das Luzes.

Sim, quis escolher Paris justamente porque é um estandarte de laicidade, mas devo dizer logo que encontrei um mundo laico interessado em um confronto verdadeiro sobre grandes temas.

Vontade de se converter?

Não é esse o objetivo. Não falamos de evangelização. O objetivo é o diálogo. O confronto entre dois Logoi, entre visões do mundo que se medem nas questões altas da existência. Quando me encontro diante de um ateu como Nietzsche ou o discurso marxista ou científico, eu escuto, respeito, avalio. As religiões e os sistemas ideológicos são leituras do real e do cosmos e é bom que se confrontem.

Superando a atitude clássica segundo a qual o não crente é um "pato manco"?

O crente e o ateu são, cada um, portadores de uma mensagem, que é "performativa", já que envolve a existência. Estou contente por ter como interlocutores em Paris personalidades como Julia Kristeva, semióloga e psicanalista agnóstica, ou o geneticista Axel Kahn.

Sobre o que pensarão?

Na Unesco, se discutirá entre crentes e laicos sobre o papel da cultura, mas também sobre as mulheres na sociedade moderna, sobre o empenho pela paz e a busca de sentido em um mundo que é ao mesmo tempo secularizado e religioso. Na Sorbonne, o tema é emblemático: Iluminismo, religiões, razão comum. No Institut de France, o debate será sobre economia, direito, arte.

Esperando encontrar pontos de encontro?

Não interessam encontros ou desencontros genéricos, nem entrar em acordo sobre uma vaga espiritualidade. E não se trata nem de um asséptico encontro de matemática. O que conta é colocar em confronto visões de vida alternativas, pensando, em última instância, sobre algumas questões capitais.

O senhor disse recentemente que a Igreja deve aprender a derrubar seus próprios muros.

Muitas vezes, temos uma linguagem excessivamente conotada e excludente. Devemos reconhecer que existem visões diferentes da realidade e que, do mundo laico, nos são dirigidas questões profundas com relação às quais não podemos ser evasivos.

Quais questões o senhor considera como capitais?

As perguntas sobre o sentido da existência, sobre o além-vida, sobre a morte. E ainda a questão sobre a categoria de verdade.

Ela já está no processo contra Jesus: o que é a verdade?

É algo que nos precede, que é "em si mesma"? Ou, como afirmam os modernos, é a elaboração do sujeito segundo os diferentes contextos?

O senhor imagina Paris como uma etapa de uma busca da ética universal, aquele Weltethos que o teólogo Hans Küng expôs a Bento XVI em Castegandolfo depois da sua eleição?

Penso, ao contrário, que se possa abrir o discurso, sem sincretismos, sobre o que significa Natureza e lei natural. Vale a pena indagar sobre as raízes últimas, que precedem as razões das religiões e das ideologias. Pôr em confronto as diferentes concepções de ser e de existir significa colocar-se autenticamente em busca, sem pretender saber a priori. Muitas vezes se difundiu a sensação de que, com a chegada do pensamento científico moderno, tenha sido marcado um ano zero, que anula as elaborações da cultura precedente, especialmente a grega e a cristã.

E ao contrário?

Encontro muitos cientistas abertos para refletir sobre as categorias filosóficas da existência.

Há algum tema sobre o qual se deveria refletir mais na civilização contemporânea?

O poder do mal. É preciso ser consciente dele. As atitudes subsequentes podem ser diferentes. Para Albert Camus, na ausência de Deus, a resposta final é o suicídio. Para George Bernanos, além de todas as dificuldades e fragilidades, a presença divina não abandona jamais o humano.

A Igreja está pronta para fazer as contas com a descristianização em curso no continente europeu?

As categorias estatísticas são insuficientes para medir o real. É preciso um método qualitativo para medir de dentro os comportamentos sociais e pessoais. Harvey Cox, que havia escrito A Cidade Secular, agora defende que estava equivocado. Assistimos a um retorno do Sagrado e a uma nostalgia do Religioso que, porém, não encontra uma resposta nas instituições religiosas. Isso se manifesta em várias expressões: movimentos, New Age, devocionalismo, espiritualismo.

Qual saída o senhor propõe?

O cristianismo deve voltar às suas grandes respostas, para curar o paladar da sociedade, deformado por uma secularização que busca espiritualidade de baixo perfil.

O senhor não acha que ainda há na Igreja muito medo da modernidade?

Eu alimento um respeito pela modernidade, mas reivindico a legitimidade de criticar uma modernidade superficial, inodora, incolor, nem imoral, mas, sim, amoral. Como diz Goethe no Fausto: esquecemo-nos do Grande Maligno, ficaram os Pequenos Sem-Vergonhas.