Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho
Uma amiga, cristã dotada de sólida convicção, casou-se com um homem não convertido a Cristo. Com seu testemunho, em pouco tempo conseguiu levá-lo à conversão. A partir daí, veio a busca de uma igreja onde os dois se integrassem. Ela se preocupou mais com ele, porque era um crente novo. Visitaram uma igreja perto de sua casa. O marido, ganho para Cristo em casa, não tinha convivência eclesiástica. Achou o culto muito alegre. Tão alegre que disse que não gostaria de ficar naquela igreja. Segundo ele, não suportaria tanta alegria. Morreria de tão alegre. Tendo senso crítico aguçado, notou que aquilo não era natural. Ele não morreria. Talvez morresse seu interesse pelo evangelho.
Ri com a história, mas fiquei a matutar (paulista do interior matuta) sobre o excesso de “alegria” em alguns cultos. As pessoas mal se conhecem, e suas vidas, fora do salão de cultos, não se tangenciam. São vividas separadamente. Mas há um momento no culto em que elas devem sorrir umas para as outras, cumprimentá-las e dizer que as amam, enquanto entoam algum cântico. Não sabem os nomes umas das outras, desconhecem as lutas dos outros, mas sorriem e dizem que se amam. Qual o conceito de amor por trás disto?
Cada vez mais as pessoas confundem a totalidade da vida cristã com a celebração cultual. A vida cristã passou a ser algo que acontece num determinado dia, numa determinada hora, num determinado local, sob o comando de determinadas pessoas. Confinam-na ao momento do culto. Sendo honestos, reconheceremos que muito do que acontece no culto é artificial. Vestimos uma roupa diferente, usamos uma linguagem diferente, assumimos uma postura diferente da costumeira, e convivemos com pessoas que nem sempre são do nosso círculo de relacionamento habitual. Sendo honestos, também reconheceremos que alguns dirigentes de culto manipulam claramente o auditório. Querem fazer o papel do Espírito Santo, produzir emoções. Em vez de “conduzir o louvor”, conduzem as pessoas. Alguns beiram a lavagem cerebral. Participei de um culto em que, por 20 minutos cantamos o mesmo corinho, como se fosse um mantra evangélico. À noite, não consegui dormir. A mente me repetia o cântico. Não como edificação, mas como um refrão plantado, que me impedia de raciocinar e até mesmo de “desligar”.
Não podemos confinar o cristianismo ao momento do culto. Ele é mais que gestos cometidos sob o comando de pessoas. Ele parte do coração e não de coordenação humana. Ele é mais que frases de efeito. Que adianta uma igreja pintar na sua parede externa: “a igreja que ama você”, e ignorar, por completo, seu bairro? Se alguém, vendo aquele letreiro entrar e pedir ajuda financeira, receberá? Afinal, é amado por aqueles crentes! Ou ouvirá o mesmo que um diácono disse, orgulhoso, a uma pessoa que pediu comida em uma igreja evangélica: “Esse negócio de dar comida é para espíritas e católicos. Quando você quiser salvar a sua alma, nos procure”. Uma igreja com esta mentalidade ama o próximo? Ou ele é uma abstração, um número a somar nas estatísticas dos convertidos? Ela cultua, mas mostra cristianismo?
Alegria não faz mal. O que faz mal é a alegria artificial, produzida e manipulada para determinados fins. Claramente fingida, ela afasta as pessoas mais lúcidas. Há gente que vai à igreja disposta a ser manipulada e aceita todas as orientações do “mestre de cerimônias” do culto ou do manipulador de plantão. Mas há pessoas que pensam e sabem que aquilo é irreal. A igreja precisa de autenticidade. Isto não significa “grossura”, e sim a expressão real da vida. Num comentário sobre pós-modernidade, Faus diz que o homem pós-moderno clama nos seguintes termos: “quem me vende um pouco de autenticidade?”.
O culto precisa ser real. Com uma pessoa real diante de um Deus real, cantando de um Salvador real, expondo problemas reais, ao lado de pessoas reais. Ninguém deve chamar para si a função do Espírito Santo, a de produzir emoções. Há “experts” em produção de emoções nas igrejas. Mas a pessoa deve pregar, orar, cantar, fazer o que tiver que fazer, com coração sincero, sem artificialidade, sem desejo de impressionar. É apenas um instrumento. Culturalmente somos filhos dos gregos. Associamos amor com estética e sentimentos. Amar é sentir alguma coisa. Então, se amamos a Deus, devemos sentir alguma coisa. E planejamos nossos cultos para fazer as pessoas sentirem alguma coisa. Mas, teologicamente somos filhos dos hebreus. Para eles, amor não é sentimento, mas ação, produto do ser. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu…” e fez isso porque “Deus é amor”. Amar é fazer. Amar é ser. Mais que sentimentos e sensações, são atos.
Alegria não mata, mas se é falsa, afasta as pessoas. Gestos e atitudes vindos do coração, com autenticidade, sem desejo de manipular, e uma fé que se mostre fora do culto, têm grande valor. É a ética da autenticidade.
A pré-disposição em ouvir e acreditar no que se ouve, pressupõe estar pronto a ser conduzido a algum lugar. O líder de uma platéia nessas condições tem responsabilidade maior do que outros oradores. A sinceridade de intenção, baseada na dependência do Espírito, é o fiel da balança. Nossa mensagem é, de fato, a ação que temos e não o que falamos. Pena que alguns líderes se empolguem com a condução de uma platéia e atuem (mesmo que inconscientemente) num tipo de PNL (Programação Neuro Linguística) que, ao invés de libertar (pressuposto do evangelho de Jesus Cristo), criam dependência nas pessoas que retornam para experimentar aquela boa sensação emotiva. Entre alegria demais ou alegria de menos, fico com alegria de Deus.
ResponderExcluirNatanael M. Nascimento