terça-feira, 19 de abril de 2011

A igreja e o pecado

Por: Jease Costa [adaptado do meu livro "Vencendo o Pecado" e usado com permissão da editora Abba Press]


Uma vez que Cristo deve ser o nosso modelo, vamos avaliar o modo como Ele lidou com o pecado e a forma como tratou os pecadores. Para isso, faremos uma análise da narrativa da mulher adúltera, que está registrada em João 8:1-11. É verdade que essa narrativa não consta dos originais mais antigos, sendo assim, uma inserção posterior ao texto joanino (inclusive, há versões que o deslocam para outra parte). No entanto, a tradição cristã nunca manifestou dúvidas quanto à sua veracidade. Pelo contrário, sempre aceitou esse incidente na vida de Jesus como sendo efetivamente genuíno. Afinal, num contexto de extrema influência farisaica que outra pessoa teria agido assim, além de Jesus?

Vemos nessa passagem três classes de pessoas encontradas na igreja. A última classe, porém, não tão facilmente. São elas: o pecador (a mulher apanhada em adultério), os legalistas (os escribas, ou “mestres da lei”, e os fariseus), e o misericordioso (Jesus Cristo). Não pretendo avaliar aqui questões circunstanciais, como o fato de eles estarem querendo apanhar Jesus em uma contradição e o fato de não haverem também levado para o julgamento do Mestre o homem que estava adulterando com aquela mulher. Quero avaliar apenas a questão da aplicação da lei diante do pecado e a atitude de Jesus em relação à lei e à mulher flagrada em adultério.

A mulher adúltera representa todos nós (sem exceção!); os legalistas, a postura prática comum de boa parte da igreja diante de alguns tipos de pecados (principalmente sexual); e Jesus, o que a igreja deveria ser com qualquer pecador. Sejamos honestos. A mulher adúltera representa todos nós. A assertiva de Jesus tinha cabimento: “Quem não tiver pecado atire a primeira pedra”. O quadro da igreja é exatamente o dessa história. Apenas alguns são expostos, mas na realidade, o pecado é um problema de todos. A proporção não é exatamente a que aparece no primeiro momento da história, com um pecador e uma multidão de santos, mas a que Jesus, com suas assertivas, faz aparecer. Quem não tiver pecado... Quem não tem? O resultado foi que, um a um, todos foram embora. O que nos diferencia uns dos outros é apenas a aparência exterior, pois lá dentro somos todos iguais. Todo potencial para o pecado, e até mesmo para atos bárbaros e desejos sórdidos estão dentro de todos nós. Gene Getz, em seu livro “A Medida de Um Homem Espiritual”, no capítulo em que aborda que um cristão maduro nunca deve recorrer à violência, narra um acontecimento que expõe bem isso:

“Com relação ao que aconteceu na Alemanha nazista, Chuck Colson recapitulou o que assistira no programa ‘60 Minutos’ da TV. Comentando sobre o que vira, Colson declarou o seguinte:
Narrando uma história recente sobre o nazista Adolf Eichmann, um dos principais arquitetos do Holocausto, Wallace fez uma pergunta importante no início do programa: ‘Como é possível... a um homem agir como Eichmann?... Seria ele um monstro? Um louco? Ou era talvez algo mais aterrorizante: Um homem normal?’
Normal? O executor de milhões de judeus seria normal? A maioria dos espectadores ficaria indignada com esse pensamento!
A resposta mais surpreendente para a pergunta espantosa de Wallace foi dada numa entrevista com Yehiel Dinur, um sobrevivente dos campos de concentração que testemunhou contra Eichmann nos julgamentos de Nuremberg. Um clipe do julgamento de Eichmann em 1.961 mostrou Dinur entrando na sala de audiências do tribunal e parando de súbito ao ver Eichmann pela primeira vez desde que os nazistas o haviam enviado a Auschwitz dezoito anos antes. Dinur começou a chorar descontroladamente, depois desmaiou, caindo no chão enquanto o funcionário que presidia o julgamento pedia ordem na sala lotada.
Dinur fora tomado pelo ódio? Medo? Lembranças terríveis? Nada disso. Pelo contrário, como explicou para Wallace, Dinur compreendeu num instante que Eichmann não era o oficial-deus que mandara tantos para a morte. Este Eichmann era um homem comum. ‘Fiquei com medo por mim mesmo’, afirmou Dinur, ‘Vi que eu era capaz de ter feito aquilo. Que sou exatamente como ele’”.

Essa narrativa é impressionante em vários aspectos, principalmente porque expõe a verdade de que somos todos iguais e temos o mesmo potencial para o mal. Assim, o que Jesus queria ao afirmar que quem não tivesse pecado estaria autorizado a atirar a primeira pedra, era fazê-los verem-se a si mesmos naquela mulher que estavam querendo condenar. Se a condenassem, então teriam que condenar a si próprios.

Veja bem, Jesus não desprezou a Lei, pois até admitiu que ela poderia ser aplicada naquele caso, e nem minimizou a gravidade do pecado da mulher, pois lhe ordenou categoricamente que, ao ir embora, não o praticasse mais. O que Ele fez foi expor o fato de que somos todos miseravelmente pecadores, inclusive em se tratando dos pecados que abominamos nos outros, e amar profundamente aquela pecadora dando-lhe a oportunidade de recomeçar, reconstruir.

Se o comportamento de Cristo deve ser o padrão para o comportamento da igreja, talvez a igreja esteja fora de padrão. Quantas vidas destruídas e quantas pessoas afastadas para sempre da comunhão dos salvos. Quantas vidas poderiam estar brilhando, mas foram apagadas de vez por falta de misericórdia. Quantas árvores ainda poderiam estar frutificando, mas foram arrancadas sem piedade em função de um conceito inadequado e antibíblico do que seja disciplinar. E o ato disciplinar na igreja tem sido, em alguns casos, mais inadequado ainda quando é aplicado à liderança. Quando um líder cai, só mesmo a graça de Deus tem sido capaz de levantá-lo, pois a igreja não tem conhecido a palavra perdão. Mesmo se ele consegue restaurar sua vida ministerial, ainda sofre com o preconceito dos seus colegas e fica quase que eternamente estigmatizado. As palavras de ordem são exoneração e exclusão. Tem sido quase que impossível ver líderes com a vida ministerial reconstruída sem as marcas do passado depois da queda.

Quanto à ação disciplinar que deve ser aplicada à liderança, devemos nos espelhar também em Jesus. Como ele agiu? Como disciplinou um líder que caiu? Temos um exemplo clássico do trabalho do Mestre nesse sentido na narrativa da restauração de Pedro. Seu pecado foi realmente grave. Tão grave que se ele fosse um pastor de uma de nossas igrejas, hoje, jamais iríamos querer ser pastoreados por ele dali por diante. Como ser liderados por alguém que tão deslavadamente se acovarda afirmando publicamente que não sabe quem é aquele que havia sido seu mestre (Mc 14:66-72)? No entanto, qual foi a reação de Jesus após sua ressurreição ao encontrar-se com Pedro? Ele amou a Pedro e viu que quando ele chorou amargamente (vs. 72), estava tendo um arrependimento sincero. Isso bastava. Já era suficiente. Pedro fazia parte novamente dos planos do Senhor (Jo 21:15-17). É comovente ver que Jesus, mesmo depois de tudo o que Pedro lhe havia feito, ainda estava interessado em seu amor. Mesmo que não fosse um amor perfeito (ágape), já lhe bastava sua amizade profunda e sincera (filéo). De acordo com o Dr. Russel Shedd, quanto à disciplina de Jesus aplicada a Pedro nesse episódio, “o Senhor ofereceu-lhe a mão graciosa de recuperação total” (Disciplina na Igreja).

Sendo Jesus o modelo para o comportamento e ação da igreja no mundo e em relação aos seus, talvez seja momento de repensarmos a nossa caminhada. Jesus mostrou que mesmo um líder pode voltar às lides ministeriais, pois o perdão de Cristo (que deveria ser sempre aplicado pela igreja) é o perdão restaurador. O Dr. Shedd mais adiante ainda enfatiza:

“Há pecado tão grave que a igreja não é capaz de perdoar e esquecer até o ponto de repor o líder iníquo no seu antigo lugar privilegiado de ministério. Mas tal não foi o caso de Jesus ao manejar a restauração de Pedro. Nenhum dos evangelhos diminui a seriedade da apostasia de Pedro. Se tivesse negado uma vez, ainda vai, mas três vezes, e isso com juramentos e maldições (Mt 26:74), nos levaria a perder a esperança. Mas o olhar de Jesus fixado em seu discípulo o abalou por completo. Então Pedro, saindo dali, chorou amargamente (Lc 22:62). Esse sinal de profundo arrependimento foi suficiente para Jesus.”

O arrependimento sincero também não deveria ser suficiente para a igreja ao aplicar a disciplina aos seus que caem, líderes ou não? Não foi assim que fez Jesus? Será que não é nossa responsabilidade reproduzirmos Jesus em nossa caminhada como igreja Sua?

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