Por: Jease Costa [Este texto é parte do meu livro "FAMÍLIA PÓS-MODERNA". Utilizado com permissão da Editora Abba Press (www.abbapress.com.br)]
Uma característica fortíssima de nossa sociedade pós-moderna é justamente a fragilização do valor da moral e da ética. Como vivemos num mundo plural, onde os absolutos são questionados, a ética também é questionada e, em muitos casos, acusada de ser a causa da doença da alma, resultado das angústias conseqüentes do sentimento de culpa. A noção de liberdade no mundo secular está relacionada à vida que não está presa a nenhuma lei moral: “Se seu coração manda, faça”, “é proibido proibir”, “não se reprima”.
Uma vez que, ao se tratar da ética, devamos admitir que existem diferenças importantes entre a ética cristã e a não-cristã, como cristão, parto do princípio de que, como bem defende C.S Lewis, “o cristianismo é verdadeiro” (Cristianismo Puro e Simples). Ao tratar da necessidade de se resgatar o valor da moral e da ética, o farei de forma generalizada, sem particularizar quais os aspectos do comportamento social deverão ser tratados. No entanto, que fique claro na mente do leitor que a linha mestra e norteadora de todo comportamento individual e social deve ser, necessariamente, a ética cristã.
O comportamento social não é original, no sentido restrito da palavra, dos grupos no momento histórico em que vivem. Na verdade, o comportamento de um povo é resultado de sementes plantadas em seu passado histórico. No livro A Morte da Razão, o Dr. Francis Schaeffer mostra o histórico de como a arte e a filosofia têm influenciado o pensamento ocidental desde o tempo da Renascença. No campo da ética, o pensamento de dois grandes personagens tem influenciado profundamente a postura moderna: Freud, no ramo da psicanálise (muito embora seus métodos estejam sendo extremamente questionados atualmente, ainda exerce profunda influência), e Nietzche, no ramo da filosofia. Ainda em seu livro Mitos e Neuroses o Dr. Paul Tournier faz a seguinte referência ao pensamento freudiano no que se refere à ética e à moral:
"Freud viu apenas a repressão do instinto. Para ele a vida espiritual e a consciência moral provêm de uma ilusão: o medo instintivo de perder o afeto dos pais ou da sociedade faz com que o homem se submeta aos imperativos morais que se lhe impõem".
Esse é o pensamento do pai da Psicanálise, que quase sempre vincula o comportamento do indivíduo à influência da teoria do Complexo de Édipo: “É o medo instintivo de perder o afeto ‘dos pais’ e da sociedade...” Com isso, Freud deixa de considerar o ideal intrínseco, que é ditado por uma lei superior, que tem sua origem fora do homem, que é a própria consciência moral. Por mais que se procure estabelecer teorias para se livrar da necessidade de se submeter à lei moral, não há como escapar da consciência. Pior e mais trágico do que reprimir o instinto é a repressão da consciência moral. Para defender a validade da consciência moral, o Dr. Paul Tournier cita o Dr. Henri Baruk, que esclarece alguns aspectos importantes da repressão da consciência moral:
• De modo algum a consciência moral se reduz no homem a funções psíquicas e mentais. Numa pessoa alienada, completamente incoerente e de aspecto demencial, pode subsistir uma personalidade perspicaz, com agudo senso de justiça, e do bem e do mal. Essa integridade contrasta com a alteração da consciência moral.
• Quem quer que se oponha à sua consciência moral e que viole as leis da eqüidade e da natureza humana expõe-se a sentir um mal-estar muito especial, um juízo interior insuportável.
• Aquele que reprime a sua consciência costuma desviar seu descontentamento para vítimas inocentes. É esse o mecanismo do bode expiatório, e ele é tão importante que desempenha na história social dos povos o papel tão fundamental que é o instinto de agressividade. [...] Assim, a agressividade e os conflitos de sangue da humanidade procedem da repressão da consciência.
O Dr. Tournier também cita Malraux: “o drama da Europa é a má consciência”. E depois define sua conclusão para o fato de a ciência não ter percebido esses fenômenos capitais dizendo que “desde Descartes a ciência impôs a si mesma um preconceito absoluto: deixou de levar em conta as realidades morais e espirituais”.
No campo da filosofia, o crítico do valor da moral, como já dissemos, é Nietzsche. Em seu livro Genealogia da Moral, defende a tese de que a moral foi uma construção dos fortes, dos poderosos, para fins de domínio e poder. Em sua opinião, “a teoria do valor da moral busca e estabelece a fonte do conceito ‘bom’ no lugar errado. Foram os nobres e poderosos que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como sendo ‘bons’, de primeira ordem, em oposição a tudo o que era vulgar e plebeu. Que lhes importava a utilidade!”.
Após dizer isso, Nietzsche afirma que as forças poderosas, depois de cunhar os nomes para o que lhes é conveniente sob a forma da bondade, não apenas definem, mas se apropriam das coisas:
"O direito senhorial de dar nomes vai tão longe, que nos permitiríamos conceber a própria origem da linguagem como expressão de poder dos senhores: eles dizem: 'isto é isto', marcam cada coisa e acontecimento com um som, como que apropriando-se, assim, das coisas".
Para Nietzsche, a função mais notória da moral é o poder e sua manutenção. Já C. S. Lewis trata da importância da moral julgando que ela se relaciona com três aspectos importantes na vida do indivíduo e da sociedade: primeiro com a justiça e harmonia entre os homens, no sentido de que ela é quem dá direção para que não haja uma espécie de colisão entre as pessoas e as instituições, criando harmonia e proporcionando um relacionamento justo entre o homem e seu meio. Em segundo lugar, com a arrumação e harmonização das coisas no interior de cada um, no sentido de que desfaz a desordem do interior de cada indivíduo, criando um ambiente interno de harmonia e segurança. E, por fim, com o objetivo geral da vida humana como um todo, com o fim para o qual o ser humano foi criado, no sentido de que cria harmonia entre o homem e seu destino e o poder que o criou. Tomando por base essa tese, para C. S. Lewis a moral é fundamental para que haja harmonia do homem com a sua vida e existência. Essa concepção é maravilhosa. Na verdade, seria inconcebível imaginar uma vida em sociedade sem regras para regulamentar a vida e a convivência. O caos do mundo pós-moderno deve-se justamente à fragilização da moral e da ética. Não há harmonia nos indivíduos consigo mesmos e, conseqüentemente, com seus semelhantes, sem a existência de normas, da ética e da moral.
Podemos perguntar, portanto, de que forma isso tudo afeta a família. A questão é que a família está quase desarmada diante de uma ordem tão poderosa, ao mesmo tempo em que má. A base familiar deve ser extremamente sólida para enfrentar uma sociedade que se desfez de princípios e valores tão fundamentais para sua saúde e sobrevivência. É verdade que a família não é o único elemento de formação da sociedade. Ela é formada pelos indivíduos e pelas instituições que a compõem. Com o desenvolvimento tecnológico e a exigência por produtividade, a vida ficou extremamente corrida e o tempo de relacionamentos demasiadamente reduzido. Com isso, os membros das famílias vivem muito mais tempo no ambiente secular do que no familiar, no lar. Isso aumenta consideravelmente a possibilidade de uma influência externa mais marcante na vida de seus membros.
Uma forma de reagir a isso é através da recuperação da convivência familiar num ambiente em que os valores cristãos possam ser semeados e valorizados. Seria revolucionário se em cada lar o Sermão do Monte fosse estudado com diligência. Ali, Jesus estabelece a diretriz para uma ética saudável e produtora de vida, que perfeitamente pode ser aplicada a qualquer sociedade e cultura. Na verdade, como o Evangelho é supracultural, todos os seus preceitos têm condições de nortear o comportamento social em qualquer lugar do mundo sem com isso precisar aniquilar os elementos culturais característicos de cada povo. O Evangelho não pretende mudar a cultura, mas pretende purificá-la. E uma das formas com que ele faz isso é através de seus valores e princípios éticos, morais e espirituais.
Com o questionamento dos absolutos, a pós-modernidade tem destruído elementos sólidos e que são fundamentais para o seu amadurecimento e preservação. O único antídoto é o resgate da família unida em torno de uma ética que tenha condições de ser norteadora em qualquer tempo e circunstância. O cristianismo é esse elemento realmente capaz de conduzir a vida familiar e, conseqüentemente, a sociedade, proporcionando harmonia na relação do homem com seus semelhantes, consigo mesmo e com o Criador.
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