sexta-feira, 20 de maio de 2011

De Volta à Palavra

Por Jease Costa (do livro "Sua Igreja Está No Caminho Certo?")

Quero tratar da necessidade de a igreja hoje voltar à Palavra, fazendo uma análise da reforma espiritual promovida pelo rei Josias no reino de Judá. Essa passagem está registrada nos capítulos 22 e 23 do Segundo Livro dos Reis. Mesmo aquela reforma não sendo uma reforma completa, pois a atitude de obediência não é algo que pode ser imposto com um decreto, não há como negar sua importância na vida do povo de Judá nos dias de Josias. A igreja hoje pode e deve aprender com aquele importante rei da Judéia.


O Encontro

Josias foi um bom rei que procurou fazer o que era reto diante do Senhor, ao contrário de Amon, seu pai, e de seu avô Manassés, que foram reis ímpios e dedicados aos ídolos. Começou a reinar com apenas 8 anos de idade, por volta do ano 640a.C. e no décimo oitavo ano do seu reinado começou os preparativos para iniciar uma reforma no templo. Nesse movimento para a reforma, o sumo sacerdote Hilquias achou o livro da Lei (provavelmente o livro de Deuteronômio) e o entregou ao escrivão Safa, que o leu diante do rei. Ouvindo a leitura do livro, Josias, percebendo que ele e o povo conduziam a vida afastados da vontade de Deus, numa atitude de arrependimento e temor, manda que consultem ao Senhor por ele, pois, dizia ele, “grande é o furor do Senhor que se acendeu contra nós, porquanto nossos pais não deram ouvidos às palavras deste livro, para fazerem segundo tudo quanto de nós está escrito” (II Reis 22:12,13). Daí por diante ele deu seqüência à reforma espiritual que marcou o seu reinado.

É importante notar que essa reforma só foi possível a partir do encontro com a Lei. Não fosse o encontro com a Palavra de Deus, jamais haveria reforma. Deus hoje também está desejoso de operar uma reforma espiritual no meio de sua igreja. No entanto, não haverá reforma sem um encontro sério com a Palavra.

Todo grande movimento sério de avivamento que houve na história da igreja começou com um reencontro com a Palavra. O mesmo pode-se dizer a respeito da Reforma Protestante na Idade Média, liderada por Martinho Lutero, reforma essa que “foi a um tempo reavivamento e revolução” (Timothy George, em “Teologia dos Reformadores”). Da mesma forma que nas épocas antecedentes aos outros períodos de avivamentos, a Reforma também foi precedida de uma época de extrema decadência e frieza espiritual. Quanto a isso, Timothy George diz que “o mal-estar espiritual da baixa Idade Média não foi a causa da Reforma, mas certamente constituiu seu pré-requisito” e faz, em seguida, uma declaração que nos dá condições de entender melhor a condição da igreja pré-reformada:

“Dissemos muito pouco sobre as famigeradas contravenções da igreja pré-reformada: simonia,
nepotismo, mau uso dos benefícios, concubinato clerical, etc. Todos os reformadores, quer ca-
tólicos, quer protestantes, quer radicais, opuseram-se de maneira extrema a essas práticas. En-
tretanto, alguns entre eles também perceberam que era necessário haver algo mais do que um
'pôr a casa em ordem'. Não seria de nenhuma utilidade varrer as teias de aranha se os alicerces
estavam podres. O que se precisava era de uma nova definição da igreja, baseada numa com-
preensão renovada do evangelho”.

Daí podemos saber que a Reforma protestante nasceu da luta pela doutrina da justificação pela fé. Em outras palavras, nasceu a partir de uma releitura da Palavra ou, por assim dizer, nasceu a partir de um reencontro com a Bíblia. A máxima de Lutero era “Sola Scriptura” (Só as Escrituras).

Uma vez que não estamos vivendo um dos nossos melhores momentos na história, onde a igreja pode ser caracterizada pela frouxidão espiritual, pela relativização do pecado e pelos mandos e desmandos de muitos líderes que têm levado muitas ovelhas por caminhos distantes da Palavra do Senhor, está na hora de marcarmos um encontro com a Santa Palavra de Deus. Se o avivamento sucede o declínio espiritual da igreja, então estamos num momento oportuno para a tão esperada reforma. No entanto, como a reforma de Josias, não adianta falarmos em avivamento se não falarmos em um encontro vivo com a Palavra de Deus. Precisamos gastar tempo com ela, estudá-la diligentemente e, até mesmo, metodicamente, mergulhando em suas profundezas, assimilando seus ensinos, saturando-nos com suas palavras.

O estudo da Bíblia não pode ser influenciado pelo ritmo dos tempos modernos. Vivemos a época da velocidade, dos mega-processadores, dos supercomputadores ultravelozes. O homem moderno não tem tempo a perder. Mas, não podemos ter uma relação nesses moldes com a Bíblia. Com ela temos que “gastar tempo”. Parar no tempo serenamente e aprender dela, meditar sobre ela, compreender o que ela tem a nos dizer e saber, através do seu ensinamento, o que Deus quer que sejamos, que façamos e quais são os princípios os quais devem marcar a nossa vida. Lê-la com calma e diligência para sabermos quem somos, quem Deus quer que sejamos, e também quem Ele é. Devemos ser “Maria num mundo de Marta”. A igreja do século 21, se quiser ter o que dizer ao homem moderno, e também a si mesma, precisa marcar um encontro com a Palavra de Deus.


A Confrontação

É claro que a reforma promovida por Josias não foi conseqüência apenas do seu encontro com a Lei. Veja o que diz II Reis 22:11: “Tendo o rei ouvido as palavras do Livro da Lei, rasgou as suas vestes”. A Bíblia de Estudo de Genebra comenta este versículo da seguinte forma: “Josias ficou aflito porque a Lei não estava sendo observada e percebeu que isso desagradava a Deus”.
O rasgar as vestes era símbolo de arrependimento, como comenta a Bíblia Vida Nova:

“Nesta reação se evidencia o efeito da Lei no coração arrependido... As ações do rei demonstram
um verdadeiro arrependimento, o qual rasga o coração e não as vestes. É o arrependimento que
não nasce do formalismo de ir-se à frente em uma reunião pública ou de repetir-se uma oração
lida em um livro”.

O que o rei Josias fez foi confrontar a vida com a Lei e, percebendo o erro, arrependeu-se profundamente. Isto é importante porque não basta conhecer a Palavra se ela não for aplicada ao viver. Não é a Bíblia que deve se submeter ao crivo dos nossos conceitos, mas nossa vida, nossos conceitos, valores e atitudes é que devem se submeter ao crivo da Bíblia. Ela é o gabarito sob o qual a vida deve estar enquadrada. Ela é a autoridade máxima que deve reger todo viver, inclusive a relação com o próprio Deus. Isso porque há muitos que fazem da experiência mística e das emoções o elemento orientador da experiência religiosa. Não se está defendendo aqui uma religiosidade sem a presença de uma experiência espiritual (não estou falando de misticismo!) e sem a presença do aspecto emocional. O que está se defendendo é que toda experiência religiosa e o aspecto emocional, quando houver, devem estar sujeitos à autoridade da Palavra. Por mais real que possam parecer, se contrariarem os princípios bíblicos, devem ser desprezados. Toda vida, toda experiência, todo ato religioso, toda fé, toda doutrina e toda crença devem estar submetidos à revelação das Escrituras.

Talvez hoje esteja faltando essa necessária confrontação da vida e da religiosidade com a Palavra de Deus, com humildade e arrependimento. O problema é que o nosso coração já não dói mais diante da pregação e da leitura que fazemos dela. Parece que agimos como se a pregação não fosse para nós, e sempre achamos que “outros deveriam estar aqui para ouvir isso”. É necessário entendermos que a Bíblia é sempre pessoal. Ela diz a nós, pois é para nós. Ela não é apenas para “os do mundo”, é também para a igreja. A propósito, a maior parte das palavras proféticas, mesmo suas repreensões mais severas, foram dirigidas ao próprio povo de Deus, e todas as epístolas do Novo Testamento foram endereçadas às igrejas cristãs, ou seja, aos crentes, aos que já haviam tido uma experiência de conversão ao Senhor.

Apesar de tudo, sou otimista! Eu ainda acredito na possibilidade de uma reforma. Acredito que ainda diremos muito ao homem do terceiro milênio da era cristã, mas enquanto nos recusarmos a confrontar nossa própria vida com a Palavra de Deus, acho que teremos que esperar um pouco mais. Queira Deus que estejamos dando início a um novo tempo em que Seu povo tenha o coração totalmente dominado por Sua Palavra!

O Ajuste

A reforma de Josias obedeceu a um processo lógico. Não bastava ele ter encontrado o Livro da Lei e fazer a confrontação com a vida se não houvesse disposição para fazer os ajustes. Era necessário conhecer a Lei, assim como confrontar-se com ela, mas era imprescindível aceitar ser moldado por ela. II Reis 23:1-4 diz qual foi a atitude do rei:

“Então, deu ordem o rei, e todos os anciãos de Judá e Jerusalém se ajuntaram a ele. O rei subiu à Casa do Senhor, e com ele todos os homens de Judá, todos os moradores de Jerusalém, os sacerdotes, os profetas e todo o povo, desde o menor até ao maior, e leu diante deles todas as palavras do Livro da Aliança que fora encontrado na Casa do Senhor. O rei se pôs em pé junto à coluna e fez aliança ante o Senhor, para o seguirem, guardarem os seus mandamentos, os seus testemunhos e os seus estatutos, de todo o coração e de toda a alma, cumprindo as palavras desta aliança que estavam escritas naquele livro. E todo o povo anuiu a esta aliança.
Então o rei ordenou ao sumo sacerdote Hilquias e aos sacerdotes da Segunda ordem e aos guardas da porta que tirassem do Templo do Senhor todos os utensílios que se tinham feito para Baal, e para o poste-ídolo, e para todo o exército dos céus, e os queimou fora de Jerusalém, nos campos de Cedrom, e levou as cinzas deles para Betel”.

Assim que Josias compreendeu o que Deus esperava dele e de todo povo, não hesitou em ajustar-se à Lei. Conclamou o povo, leu para ele o livro encontrado e, após todos também concordarem em obedecer às palavras daquele livro, deitou fora tudo o que Deus abominava. Josias corrigiu a vida, consertou o que estava errado, colocou o caminho na pauta de Deus.

Acredito que causaríamos maior influência no mundo, como igreja, se a palavra pregada para que outros se convertam, convertesse primeiro o nosso próprio coração. No ano de 1986, morando na cidade de Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, eu e mais alguns irmãos de outras denominações evangélicas fazíamos um trabalho com os menores internos da FUCABEM (Fundação Catarinense do Bem-Estar do Menor). Em uma das reuniões de planejamento um dos integrantes do nosso grupo interrompeu a reunião subitamente e fez uma pergunta que nitidamente o incomodava. A pergunta foi: “A Bíblia é um livro revolucionário?” Todos nós, evidentemente, respondemos que “sim!”, mas parecia que ele não nos ouvia e perguntou de novo: “A Bíblia é um livro revolucionário?” Ao que respondemos da mesma forma. Aí, ele fez outra pergunta: “Então, por que é que nós, os cristãos, ainda não revolucionamos o mundo?” Como esta é uma pergunta complexa, a resposta também o é. Mas, ao final, todos nós concordamos que talvez ainda falte aos cristãos serem, eles mesmos, revolucionados pela Palavra.

O Coração Em Chamas

É muito importante salientar nessa caminhada dos discípulos de Emaús com Jesus que, mesmo com eles perdendo de vista a missão, juntamente com tudo o que a ela estava envolvido em função da suposta morte do Mestre, o Senhor insistia em lhes expor as Escrituras. É maravilhoso percebermos na revelação bíblica que Deus nunca deixou o Seu povo sem Sua Palavra. Sempre houve homens usados pelo Senhor para ensinar ou fazer o povo relembrar da Sua Lei, desde Moisés, passando pelos Juízes, depois pelos profetas anteriores, pelos profetas posteriores, inclusive no cativeiro, com Ezequiel na Babilônia, e com Jeremias em Jerusalém. Foi assim no período da restauração, quando Deus levantou homens zelosos por sua Lei e que procuravam redirecionar o povo na vontade do Senhor, como é, por exemplo, o caso de Esdras, e, mais adiante também no chamado período interbíblico, quando um grupo se levantou contra a helenização, não aceitando ter que deixar de prestar culto a Deus para prestar culto aos deuses gregos, como é o caso do grupo liderado pelos Macabeus, que promoveu uma importante e vitoriosa revolta, conquistando de volta aos judeus o direito de servirem livremente ao seu Deus.

Apesar desse esforço da parte de Deus em jamais deixar Seu povo sem Sua Palavra, infelizmente nem sempre Sua Palavra foi bem recebida. Houve momentos de grande arrependimento. No entanto, houve outros de grande indiferença e frieza, em que a Palavra era anunciada e os corações permaneciam duros e insensíveis. No caso dos discípulos de Emaús não foi assim que aconteceu. Após Jesus partir o pão, abençoá-lo e repartí-lo, “então se lhe abriram os olhos e o reconheceram, mas ele desapareceu da presença deles. E disseram um ao outro: Porventura não nos ardia o coração quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?” (Lc 24:31, 32). Que maravilha! Apesar de tudo, as Escrituras ainda faziam seus corações arder. Ainda estavam sensíveis a elas. Elas ainda os comoviam. No entanto, diferentemente, temos vivido um tempo em que a igreja não tem ouvido com esta mesma sensibilidade a Palavra de Deus. Vivemos tempos de indiferença, onde os corações não ardem mais diante do falar do Senhor. Isso não só por parte dos ouvintes, mas também por parte de quem prega. Só haverá esperança de que a Palavra irá fazer o coração do povo arder quando fizer arder primeiro o coração de quem prega. Mas parece que estamos todos cauterizados, calejados, e já não dói mais. Para alguns pregadores a Bíblia não é mais um instrumento de vida, apenas de trabalho. Alguém já disse que muitos sobem ao púlpito não porque têm algo a dizer, mas porque têm que dizer algo.

Estamos carentes de homens e mulheres que voltem a se comover com a Palavra de Deus, tendo a mesma reação do rei Josias, que rasgou as suas vestes humilhado e mandou consultar ao Senhor por ele. Precisamos de homens e mulheres que voltem a chorar diante da Palavra, a cair em prantos quando perceberem a gravidade dos seus pecados. Que ainda sejam capazes de se comoverem de emoção ao olharem para a cruz nas páginas da Bíblia e, não como produto de uma emoção barata, mas de uma reação sincera que deveria ser próprio de quem contempla a amplitude do amor de Deus, que caiam prostrados com o rosto em terra em atitude de devoção e consagração ao Autor da vida. Que a Palavra de Deus volte a deixar nossos corações em chamas!

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