Por Jease Costa (Retirado do meu livro "Sua Igreja Está No Caminho Certo?", pela editora Abba Press)
A igreja deve ser marcada pela cruz. Na verdade, ela jamais deveria perder de vista a centralidade da cruz. A cruz deveria sempre ocupar um lugar de proeminência na sua vida, obra e pregação. Mas, infelizmente, com o passar do tempo, ela foi perdendo de vista a cruz de Cristo e a imagem está agora distante, já um pouco embaçada pela névoa da indiferença para com aquele sacrifício que tornou possível o seu resgate e a sua existência como povo, como igreja, e que deu o significado da sua vocação.
Uma vez que a igreja deve estar centrada na cruz, ela deve também ser marcada por ela. E a primeira marca, das que quero abordar, é a marca da "abnegação". Ao olhar para a cruz vemos a abnegação encarnada naquele que estava pregado nela, e isso deve interferir profundamente na vida dos que são chamados seus discípulos. Em Marcos 8:34 Jesus diz: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Os romanos obrigavam os condenados a levarem a própria cruz (mais precisamente o “braço” da cruz) até o local da execução. O Dr. Stott, no livro “A Cruz de Cristo”, citando H. B. Swete, diz: “Tomar a cruz e seguir a Jesus ‘é colocar-se na posição de um condenado a caminho da execução’”. Isto significa dizer que uma das marcas que a cruz deve deixar na igreja é a marca da morte. Não a morte física nem a morte da condenação eterna, pois esta a cruz aniquilou, mas a morte do eu, do egocentrismo. É a morte para a vontade e querer próprios. Nossa vida, sonhos e destino não deverão mais ser determinados pelo nosso próprio querer, pois agora há uma outra lei e autoridade sob a qual tudo o que chamamos “nosso” deverá estar sujeito. A igreja de Cristo deve ser uma comunidade povoada por homens e mulheres dispostos, a cada dia, a levar a própria cruz, ou, por assim dizer, dispostos a morrer cada dia um pouco mais para o “eu”, a fim de que possa ser, como seguidora do Senhor, instrumento em Suas mãos para completar a Sua Obra, identificando-Se com seu Senhor. Se a cruz deve estar no centro da vida da igreja, está por causa daquele que estava nela, e Ele deu o maior exemplo de abnegação para os seus seguidores em sua oração no Getsêmani, quando se aproximava da Sua hora: “Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt. 26:39).
Uma segunda marca que a cruz deve deixar na igreja é a marca da "autocompreensão". A cruz tem lentes, lentes macroscópicas que nos fazem enxergar melhor. E uma das coisas que a igreja pode ver melhor através da cruz é a si mesma, pois, além de nos dar condições de perceber a origem divina de nossa vocação, ela nos dá uma visão mais clara da nossa dimensão humana, ou seja, ela nos faz visualizar nossas limitações impostas pela nossa humanidade. A experiência com o Cristo da cruz, se por um lado nos torna melhores humanos, por outro não nos torna menos humanos. A igreja não é uma comunidade de supra-humanos, mas de pessoas, de homens e mulheres que, muito embora salvos e redimidos, continuam com todas as limitações da condição humana. Isto quer dizer que ela continua sujeita a falhas, pecados e até mesmo a todas as dores a que estão sujeitas todas as pessoas. A cruz nos mostra isso no fato de que foi justamente por causa dessa nossa humanidade decaída que Cristo veio a morrer. A falta dessa compreensão tem causado muitos estragos. Muito embora afirmemos que a igreja deve ter um comportamento santo, não estamos querendo dizer que um crente jamais cometerá pecados, mas que ele deve sempre buscar um viver cada vez mais santificado. No entanto, mesmo assim, é provável que falhará, e isso porque está preso à sua humanidade decaída. Quanto a isto, a igreja, teoricamente, concorda, mas quando um dos seus cai, ela geralmente age de forma aniquiladora, muitas vezes não se importando se houve ou não arrependimento. Não estou querendo dizer que não deva haver disciplina. É claro que deve, mas o alvo da disciplina é sempre a restauração. Disciplinar significa ensinar, instruir com o objetivo de corrigir, formar ou reformar o caráter. Disciplinar não é cortar fora, aniquilar, matar. Disciplinar tem a ver com vida e não com morte. O texto de Isaías 42 fala a respeito da vinda do Servo do Senhor, do papel que deveria cumprir e dos métodos que deveria adotar. O verso 3 diz: “não quebrará o caniço rachado, e não apagará o pavio fumegante. Com fidelidade fará justiça”. Este é um texto messiânico e Jesus é identificado como sendo esse Servo. Note como ele fará a justiça: “não quebrará o caniço rachado nem apagará o pavio fumegante”. É bem mais fácil quebrar e arrancar fora a cana rachada e conseqüentemente envergada, do que colocar um suporte para que se firme outra vez. É mais fácil apagar de uma vez o pavio da lamparina que está fumegando do que colocar mais óleo para que volte a iluminar. O papel do servo do Senhor é restaurar e não arrancar fora. No entanto, em muitos casos, a igreja hoje tem andado em caminho contrário ao que anda o seu Senhor. Ao invés de colocar suporte, ela tem quebrado e arrancado as vidas rachadas e envergadas pelos pecados e misérias humanas e, ao invés de alimentar com o óleo, ela tem apagado de vez muitas vidas que poderiam estar ainda brilhando. A cruz nos dá visão da nossa humanidade não para sermos complacentes com o erro e o pecado, mas para sermos mais humildes e misericordiosos, pois ela nos mostra também que somos todos iguais e sujeitos às mesmas paixões e fraquezas e, conseqüentemente, totalmente dependentes da Graça daquEle que nela morreu.
Outra marca da cruz que a igreja deve carregar é o "amor sacrificial". Até porque amor sem sacrifícios não é amor, e a cruz é a expressão mais forte e contundente desse amor. Amor que doa e que se doa sem reservas. Amor por Deus como resposta ao Seu amor por nós, e amor ao próximo como resposta do nosso amor por Deus. Quando olhamos para a cruz, não vemos mais um homem pregado nela. Vemos o amor no seu mais belo fulgor. Quando olhamos para aquelas mãos e pés perfurados com pregos, não vemos mais sangue escorrendo. Vemos o amor vazando daqueles poros, encharcando o chão do calvário e, por fim, inundando toda a terra, todo o cosmos, buscando penetrar todos os nossos corações. E uma vez alcançando os nossos corações, converte-nos a que também amemos. Às vezes percebemos um esforço tremendo em nossas igrejas para a aquisição de bens de todos os gêneros, mas bastaria à igreja saber que o bem maior que ela deve ter é a capacidade de amar. Uma igreja que não ama perde a razão de ser e se torna estéril, pois só o amor pode produzir vida; e a igreja deve ser celeiro de vida. Esse amor é tão importante para a igreja que até mesmo os dons espirituais só fazem sentido num ambiente em que ele está inserido. Leia com atenção, e como se você só estivesse conhecendo agora, o que o apóstolo Paulo diz a respeito do amor em sua primeira carta à igreja de Corinto, no capítulo 13:
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.
O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca perece, mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará. Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era menino falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem deixei para trás as coisas de menino. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então conhecerei plenamente, da mesma forma que sou plenamente conhecido.
Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor”.
E a última marca da cruz que quero abordar aqui, das que a igreja deve ter, é a "alegria". Isso parece uma tremenda contradição, pois a cruz é um lugar de horror, punição severa e cruel para malfeitores e rebeldes e, muito embora nosso Senhor não houvesse sido malfeitor nem rebelde, foi esmagado cruelmente nela. Como, então, ela pode marcar a igreja com alegria? A alegria não é pelo horror nela exposto, mas por causa dos seus resultados: o perdão, a propiciação, a justificação, a paz com Deus e, por fim, a garantia da salvação eterna. Com tudo isso, como não estar com o coração cheio de regozijo e transbordante de graça? Os resultados da cruz não enchem apenas o nosso coração de alegria, mas também o coração de Deus. Ele alegra-se ao ver Seus filhos alegres. No entanto, participamos de cultos em algumas igrejas que parece até que o sorriso é coisa proibida e má. Não há alegria, não há festa, não há cânticos de júbilo. O salmista, no Salmo 100, conclama o povo a “celebrar com júbilo ao Senhor” e a “servir ao Senhor com alegria”. O livro do profeta Isaías, em mais outra passagem messiânica, no capítulo 61, e falando das funções do Messias, diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor ungiu-me para levar boas novas aos pobres... e dar a todos os que choram em Sião uma bela coroa em vez de cinzas, óleo de alegria em vez de pranto, um manto de louvor em vez de espírito deprimido” (Vss 1-3). Era esse o papel do Cristo: trazer alegria aos deprimidos. E o lugar onde Ele concluiria Sua Obra era a cruz. Portanto, apesar do horror e da dor a que foi submetido nosso Senhor, a cruz deve marcar o povo de Deus com a alegria de Deus.
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