quarta-feira, 27 de abril de 2011

UM ABRAÇO NUNCA É TARDIO

Por: Israel Belo de Azevedo
www.prazerdapalavra.com.br

Meus amigos estão ficando velhos, o que quer dizer que eu também estou. (Se já não fiquei.)
Em 1977, fui ao primeiro aniversário do filho de um amigo. Dois meses depois, tive que comparecer ao funeral desse menininho. Meu amigo, pastor, tirando forças que só um crente sabe da onde, pregou que Deus lhe dera um filho, Deus lho tirara e bendizeu o nome de Deus, como Jó.
Muitas vezes conversamos, mas ele nunca falou do filho que lhe fora inexplicavelmente retirado.
Muitas vezes caminhamos juntos, mas eu nunca lhe perguntei sobre o bebê definitivamente levado.
Eis que 34 anos depois, meu amigo fala publicamente de sua dor. E se tranca no seu merecido silêncio.
Onde estive que ele não pôde chorar comigo?
Que vida vivi que não lhe percebi o vazio?
Que escolhas me levaram para longe do coração do meu querido.
Meu irmão, eu lhe devo um abraço.
Você ainda o aceita?

E tudo isto demanda coragem!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Revendo nosso padrão de justiça

Por: Jease Costa


1 Samuel 30.21-25
“E quem vos daria ouvidos nisso? Pois qual é a parte dos que desceram à batalha, tal será também a parte dos que ficaram com a bagagem; receberão partes iguais’ (v.24).

Foi esse o conceito de justiça aplicado por Davi ao voltar vitorioso da guerra. Um grupo foi à batalha e outro, cansado, ficou guardando a bagagem. Ao voltar com o despojo, que eram os bens saqueados dos inimigos vencidos, mesmo contrariando alguns, Davi o repartiu em partes iguais com todos.

Parece injusto, não é mesmo? Não seria mais correto dar maior gratificação aos que se esforçaram e lutaram no campo de batalha, em detrimento dos que ficaram descansando?

Isso nos faz rever nosso conceito de justiça. O propósito da justiça não é privilegiar uma elite definida por sua bravura, competência ou destemor, mas garantir o bem comum, considerando que nem todos têm as mesmas qualificações, mas que todos são necessários na abrangência dos seus limites, mesmo que seja apenas para ficar “guardando a bagagem dos que foram lutar”.

A aplicação da justiça também tem a ver com a inclinação moral de quem tem o dever de exercer o juízo. O versículo 22 diz que foram os maus que queriam proibir os que não foram guerrear de receber sua parte do despojo. Isso mostra que nós não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos. Não se pode esperar justiça de quem tem um coração injusto. O coração de Davi era justo, logo suas ações refletiram o mais alto padrão de justiça. Injusto seria alguns poucos saírem com muitas coisas, e outro tanto sem nada. Como alguém já disse, “é melhor muitos comerem pouco do que poucos comerem muito”.

A desigualdade que vemos nas várias camadas sociais é resultado de um conceito deturpado de justiça. Um coração justo não pensa apenas em seu próprio benefício, mas no bem comum.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma reverência e um beijo

Por: Philip Yancey


A adoração verdadeira revela tanto a amizade quanto o temor a Deus.


O cristianismo afirma um lugar único entre as religiões do mundo. Nossa fé fala de um Deus diante de quem os mais poderosos santos tiram os sapatos, curvam-se, rosto em terra, e arrependem-se no pó e na cinza. Ao mesmo tempo, ela afirma que um Deus que veio à terra, como um bebe, que mostrou carinhosa misericórdia para com as crianças e os fracos, que nos ensinou a chamá-lo de Aba, que amou e foi amado. Os teólogos dizem que Deus é transcendente e imanente. Deus inspira, ao mesmo tempo, respeito e amor, temor e amizade.

Para os mais modernos, no entanto, o sentimento de respeito surge com muita dificuldade. Domesticamos os anjos até transformá-los em brinquedos de pelúcia e ornamentos natalinos, fizemos cartões de São Pedro nos portões do céu, amansamos o fenômeno da Páscoa com coelhos desajeitados e substituímos o respeito dos pastores e dos magos por duendes fofinhos e um homem divertido vestido de vermelho. O Deus todo-poderoso ganhou apelidos, como 'O Grande Cara' e 'O Homem Lá de Cima'.

Em fevereiro de 2005, esta revista publicou um artigo que trata de um assunto que me irrita. Qual foi o processo que levou a palavra adoração tornar-se sinónimo de música? Por muitos meses, minha igreja procurou um 'pastor de adoração' e houve um desfile de candidatos para uma audição, com suas violas e grupos vocais. Sim, alguns deles oraram: 'Senhor, apenas o Senhor sabe, esteja verdadeiramente conosco esta noite e deixe-nos saber que está aqui'. Ninguém mostrou muito conhecimento de teologia e, seguramente, ninguém nos levou a sentir algo como respeito. Hoje, adoração significa preencher com barulho qualquer espaço de silêncio.

Saúdo o sentimento de celebração e alegria aparente em muitas músicas actuais. Ainda assim, espanta-me o que deixamos de lado quando tentamos reduzir a distância entre a criatura e o Criador, distância essa tão eloquentemente expressa por Jó, Isaías e os salmistas. João, o discípulo a quem Jesus amava, que reclinara a cabeça sobre Jesus, registrou, em Apocalipse, que caiu aos seus pés como morto, quando Jesus apareceu em toda sua glória.

O estilo de adoração oscila de cá para lá, como um pêndulo, do ortodoxo ao doukhobors, do anglicanismo aos quacres, do luteranismo ao moravianismo, de igrejas aprovadas e estabelecidas às igrejas contracultura emergentes; e, talvez, precisemos de um pouco das duas. Certa vez, Sören Kierkegaard disse que lidamos com a adoração como se o pastor e o coro fossem actores, e a congregação, a audiência, quando, em vez disso, Deus deveria ser a audiência; o pastor e o coro, os incitadores; e a congregação, os verdadeiros participantes. O que apresenta uma questão interessante: que tipo de música Deus prefere? Parece que temos muito tempo para aprender a resposta a essa pergunta, pois Apocalipse apresenta muitas cenas de criaturas adorando Deus por meio da música e da oração.

Abraham Heschel, eticista e escritor judeu, fez a seguinte observação: 'Respeito, ao contrário do temor, não nos faz encolher diante do objeto de respeito, antes, leva-nos para perto dele'. Martinho Lutero disse que devemos orar com a reverência dirigida a Deus, e a ousadia, a um amigo.

Um líder de adoração, que causa um crescente impacto na música cristã, tenta manter em criativa tensão esses dois elementos de respeito e temor. Matt Redman, autor de canções como Heart of Worship [Coração de adoração], Better Is One Day [Um dia melhor] e Let My Words Be Few [Que minhas palavras sejam poucas], lidera o grupo Soul Survivor, que se reúne num grande armazém em Londres, Inglaterra. Certo ano, Redman e seu pastor, preocupados com o fato da música de adoração ter se tornado o foco dos músicos, em vez de Deus, deram um audacioso passo e eliminaram totalmente a música do culto de adoração. Após esse período de 'jejum', ele emergiu com uma nova compreensão de adoração. Conforme declarou em uma entrevista no rádio:

[Adoração] é mais bem resumida em Efésios 5.10, que afirma: 'Aprendam a discernir o que é agradável ao Senhor'. Se falar sobre música, na verdade, quer fazer uma oferta que o agrade e, obviamente, ele não está preocupado com a música em si, o estilo ou se você toca no tempo certo e coisas assim. Quando despeja seu coração na música e apoia isso com sua vida, esse, provavelmente, é um coração de adoração.

Um disco de Redman, lançado em 1998, chamado The Friendship and the Fear [A amizade e o temor], título retirado de um versículo de Salmos 25: 'O Senhor confia os seus segredos aos que o temem, e os leva a conhecer a sua aliança' (v. 14). Redman continua a explorar a região fronteiriça entre o respeito e o temor, pois a autêntica adoração engloba ambos. Essa é a resposta apropriada, quando o Deus santo faz um convite à intimidade para o ser humano imperfeito. No Antigo Testamento hebraico, a palavra original para adoração significava 'curvar-se em reverência e submissão'. No Novo Testamento, a palavra grega mais usada para adoração significa 'apresentar-se para beijar'. Entre esses dois significados — ou em uma combinação de ambos — encontra-se nosso melhor caminho para Deus.

Copyright © Christianity Today. Usado com permissão do autor. Todos direitos reservados. Maio de 2005, Vol. 49, Nr. 5, Página 80.

Tradução Carlos Cunha

terça-feira, 19 de abril de 2011

A igreja e o pecado

Por: Jease Costa [adaptado do meu livro "Vencendo o Pecado" e usado com permissão da editora Abba Press]


Uma vez que Cristo deve ser o nosso modelo, vamos avaliar o modo como Ele lidou com o pecado e a forma como tratou os pecadores. Para isso, faremos uma análise da narrativa da mulher adúltera, que está registrada em João 8:1-11. É verdade que essa narrativa não consta dos originais mais antigos, sendo assim, uma inserção posterior ao texto joanino (inclusive, há versões que o deslocam para outra parte). No entanto, a tradição cristã nunca manifestou dúvidas quanto à sua veracidade. Pelo contrário, sempre aceitou esse incidente na vida de Jesus como sendo efetivamente genuíno. Afinal, num contexto de extrema influência farisaica que outra pessoa teria agido assim, além de Jesus?

Vemos nessa passagem três classes de pessoas encontradas na igreja. A última classe, porém, não tão facilmente. São elas: o pecador (a mulher apanhada em adultério), os legalistas (os escribas, ou “mestres da lei”, e os fariseus), e o misericordioso (Jesus Cristo). Não pretendo avaliar aqui questões circunstanciais, como o fato de eles estarem querendo apanhar Jesus em uma contradição e o fato de não haverem também levado para o julgamento do Mestre o homem que estava adulterando com aquela mulher. Quero avaliar apenas a questão da aplicação da lei diante do pecado e a atitude de Jesus em relação à lei e à mulher flagrada em adultério.

A mulher adúltera representa todos nós (sem exceção!); os legalistas, a postura prática comum de boa parte da igreja diante de alguns tipos de pecados (principalmente sexual); e Jesus, o que a igreja deveria ser com qualquer pecador. Sejamos honestos. A mulher adúltera representa todos nós. A assertiva de Jesus tinha cabimento: “Quem não tiver pecado atire a primeira pedra”. O quadro da igreja é exatamente o dessa história. Apenas alguns são expostos, mas na realidade, o pecado é um problema de todos. A proporção não é exatamente a que aparece no primeiro momento da história, com um pecador e uma multidão de santos, mas a que Jesus, com suas assertivas, faz aparecer. Quem não tiver pecado... Quem não tem? O resultado foi que, um a um, todos foram embora. O que nos diferencia uns dos outros é apenas a aparência exterior, pois lá dentro somos todos iguais. Todo potencial para o pecado, e até mesmo para atos bárbaros e desejos sórdidos estão dentro de todos nós. Gene Getz, em seu livro “A Medida de Um Homem Espiritual”, no capítulo em que aborda que um cristão maduro nunca deve recorrer à violência, narra um acontecimento que expõe bem isso:

“Com relação ao que aconteceu na Alemanha nazista, Chuck Colson recapitulou o que assistira no programa ‘60 Minutos’ da TV. Comentando sobre o que vira, Colson declarou o seguinte:
Narrando uma história recente sobre o nazista Adolf Eichmann, um dos principais arquitetos do Holocausto, Wallace fez uma pergunta importante no início do programa: ‘Como é possível... a um homem agir como Eichmann?... Seria ele um monstro? Um louco? Ou era talvez algo mais aterrorizante: Um homem normal?’
Normal? O executor de milhões de judeus seria normal? A maioria dos espectadores ficaria indignada com esse pensamento!
A resposta mais surpreendente para a pergunta espantosa de Wallace foi dada numa entrevista com Yehiel Dinur, um sobrevivente dos campos de concentração que testemunhou contra Eichmann nos julgamentos de Nuremberg. Um clipe do julgamento de Eichmann em 1.961 mostrou Dinur entrando na sala de audiências do tribunal e parando de súbito ao ver Eichmann pela primeira vez desde que os nazistas o haviam enviado a Auschwitz dezoito anos antes. Dinur começou a chorar descontroladamente, depois desmaiou, caindo no chão enquanto o funcionário que presidia o julgamento pedia ordem na sala lotada.
Dinur fora tomado pelo ódio? Medo? Lembranças terríveis? Nada disso. Pelo contrário, como explicou para Wallace, Dinur compreendeu num instante que Eichmann não era o oficial-deus que mandara tantos para a morte. Este Eichmann era um homem comum. ‘Fiquei com medo por mim mesmo’, afirmou Dinur, ‘Vi que eu era capaz de ter feito aquilo. Que sou exatamente como ele’”.

Essa narrativa é impressionante em vários aspectos, principalmente porque expõe a verdade de que somos todos iguais e temos o mesmo potencial para o mal. Assim, o que Jesus queria ao afirmar que quem não tivesse pecado estaria autorizado a atirar a primeira pedra, era fazê-los verem-se a si mesmos naquela mulher que estavam querendo condenar. Se a condenassem, então teriam que condenar a si próprios.

Veja bem, Jesus não desprezou a Lei, pois até admitiu que ela poderia ser aplicada naquele caso, e nem minimizou a gravidade do pecado da mulher, pois lhe ordenou categoricamente que, ao ir embora, não o praticasse mais. O que Ele fez foi expor o fato de que somos todos miseravelmente pecadores, inclusive em se tratando dos pecados que abominamos nos outros, e amar profundamente aquela pecadora dando-lhe a oportunidade de recomeçar, reconstruir.

Se o comportamento de Cristo deve ser o padrão para o comportamento da igreja, talvez a igreja esteja fora de padrão. Quantas vidas destruídas e quantas pessoas afastadas para sempre da comunhão dos salvos. Quantas vidas poderiam estar brilhando, mas foram apagadas de vez por falta de misericórdia. Quantas árvores ainda poderiam estar frutificando, mas foram arrancadas sem piedade em função de um conceito inadequado e antibíblico do que seja disciplinar. E o ato disciplinar na igreja tem sido, em alguns casos, mais inadequado ainda quando é aplicado à liderança. Quando um líder cai, só mesmo a graça de Deus tem sido capaz de levantá-lo, pois a igreja não tem conhecido a palavra perdão. Mesmo se ele consegue restaurar sua vida ministerial, ainda sofre com o preconceito dos seus colegas e fica quase que eternamente estigmatizado. As palavras de ordem são exoneração e exclusão. Tem sido quase que impossível ver líderes com a vida ministerial reconstruída sem as marcas do passado depois da queda.

Quanto à ação disciplinar que deve ser aplicada à liderança, devemos nos espelhar também em Jesus. Como ele agiu? Como disciplinou um líder que caiu? Temos um exemplo clássico do trabalho do Mestre nesse sentido na narrativa da restauração de Pedro. Seu pecado foi realmente grave. Tão grave que se ele fosse um pastor de uma de nossas igrejas, hoje, jamais iríamos querer ser pastoreados por ele dali por diante. Como ser liderados por alguém que tão deslavadamente se acovarda afirmando publicamente que não sabe quem é aquele que havia sido seu mestre (Mc 14:66-72)? No entanto, qual foi a reação de Jesus após sua ressurreição ao encontrar-se com Pedro? Ele amou a Pedro e viu que quando ele chorou amargamente (vs. 72), estava tendo um arrependimento sincero. Isso bastava. Já era suficiente. Pedro fazia parte novamente dos planos do Senhor (Jo 21:15-17). É comovente ver que Jesus, mesmo depois de tudo o que Pedro lhe havia feito, ainda estava interessado em seu amor. Mesmo que não fosse um amor perfeito (ágape), já lhe bastava sua amizade profunda e sincera (filéo). De acordo com o Dr. Russel Shedd, quanto à disciplina de Jesus aplicada a Pedro nesse episódio, “o Senhor ofereceu-lhe a mão graciosa de recuperação total” (Disciplina na Igreja).

Sendo Jesus o modelo para o comportamento e ação da igreja no mundo e em relação aos seus, talvez seja momento de repensarmos a nossa caminhada. Jesus mostrou que mesmo um líder pode voltar às lides ministeriais, pois o perdão de Cristo (que deveria ser sempre aplicado pela igreja) é o perdão restaurador. O Dr. Shedd mais adiante ainda enfatiza:

“Há pecado tão grave que a igreja não é capaz de perdoar e esquecer até o ponto de repor o líder iníquo no seu antigo lugar privilegiado de ministério. Mas tal não foi o caso de Jesus ao manejar a restauração de Pedro. Nenhum dos evangelhos diminui a seriedade da apostasia de Pedro. Se tivesse negado uma vez, ainda vai, mas três vezes, e isso com juramentos e maldições (Mt 26:74), nos levaria a perder a esperança. Mas o olhar de Jesus fixado em seu discípulo o abalou por completo. Então Pedro, saindo dali, chorou amargamente (Lc 22:62). Esse sinal de profundo arrependimento foi suficiente para Jesus.”

O arrependimento sincero também não deveria ser suficiente para a igreja ao aplicar a disciplina aos seus que caem, líderes ou não? Não foi assim que fez Jesus? Será que não é nossa responsabilidade reproduzirmos Jesus em nossa caminhada como igreja Sua?

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O desafio da ética na família pós-moderna

Por: Jease Costa [Este texto é parte do meu livro "FAMÍLIA PÓS-MODERNA". Utilizado com permissão da Editora Abba Press (www.abbapress.com.br)]

Uma característica fortíssima de nossa sociedade pós-moderna é justamente a fragilização do valor da moral e da ética. Como vivemos num mundo plural, onde os absolutos são questionados, a ética também é questionada e, em muitos casos, acusada de ser a causa da doença da alma, resultado das angústias conseqüentes do sentimento de culpa. A noção de liberdade no mundo secular está relacionada à vida que não está presa a nenhuma lei moral: “Se seu coração manda, faça”, “é proibido proibir”, “não se reprima”.
Uma vez que, ao se tratar da ética, devamos admitir que existem diferenças importantes entre a ética cristã e a não-cristã, como cristão, parto do princípio de que, como bem defende C.S Lewis, “o cristianismo é verdadeiro” (Cristianismo Puro e Simples). Ao tratar da necessidade de se resgatar o valor da moral e da ética, o farei de forma generalizada, sem particularizar quais os aspectos do comportamento social deverão ser tratados. No entanto, que fique claro na mente do leitor que a linha mestra e norteadora de todo comportamento individual e social deve ser, necessariamente, a ética cristã.
O comportamento social não é original, no sentido restrito da palavra, dos grupos no momento histórico em que vivem. Na verdade, o comportamento de um povo é resultado de sementes plantadas em seu passado histórico. No livro A Morte da Razão, o Dr. Francis Schaeffer mostra o histórico de como a arte e a filosofia têm influenciado o pensamento ocidental desde o tempo da Renascença. No campo da ética, o pensamento de dois grandes personagens tem influenciado profundamente a postura moderna: Freud, no ramo da psicanálise (muito embora seus métodos estejam sendo extremamente questionados atualmente, ainda exerce profunda influência), e Nietzche, no ramo da filosofia. Ainda em seu livro Mitos e Neuroses o Dr. Paul Tournier faz a seguinte referência ao pensamento freudiano no que se refere à ética e à moral:

"Freud viu apenas a repressão do instinto. Para ele a vida espiritual e a consciência moral provêm de uma ilusão: o medo instintivo de perder o afeto dos pais ou da sociedade faz com que o homem se submeta aos imperativos morais que se lhe impõem".

Esse é o pensamento do pai da Psicanálise, que quase sempre vincula o comportamento do indivíduo à influência da teoria do Complexo de Édipo: “É o medo instintivo de perder o afeto ‘dos pais’ e da sociedade...” Com isso, Freud deixa de considerar o ideal intrínseco, que é ditado por uma lei superior, que tem sua origem fora do homem, que é a própria consciência moral. Por mais que se procure estabelecer teorias para se livrar da necessidade de se submeter à lei moral, não há como escapar da consciência. Pior e mais trágico do que reprimir o instinto é a repressão da consciência moral. Para defender a validade da consciência moral, o Dr. Paul Tournier cita o Dr. Henri Baruk, que esclarece alguns aspectos importantes da repressão da consciência moral:

• De modo algum a consciência moral se reduz no homem a funções psíquicas e mentais. Numa pessoa alienada, completamente incoerente e de aspecto demencial, pode subsistir uma personalidade perspicaz, com agudo senso de justiça, e do bem e do mal. Essa integridade contrasta com a alteração da consciência moral.
• Quem quer que se oponha à sua consciência moral e que viole as leis da eqüidade e da natureza humana expõe-se a sentir um mal-estar muito especial, um juízo interior insuportável.
• Aquele que reprime a sua consciência costuma desviar seu descontentamento para vítimas inocentes. É esse o mecanismo do bode expiatório, e ele é tão importante que desempenha na história social dos povos o papel tão fundamental que é o instinto de agressividade. [...] Assim, a agressividade e os conflitos de sangue da humanidade procedem da repressão da consciência.

O Dr. Tournier também cita Malraux: “o drama da Europa é a má consciência”. E depois define sua conclusão para o fato de a ciência não ter percebido esses fenômenos capitais dizendo que “desde Descartes a ciência impôs a si mesma um preconceito absoluto: deixou de levar em conta as realidades morais e espirituais”.
No campo da filosofia, o crítico do valor da moral, como já dissemos, é Nietzsche. Em seu livro Genealogia da Moral, defende a tese de que a moral foi uma construção dos fortes, dos poderosos, para fins de domínio e poder. Em sua opinião, “a teoria do valor da moral busca e estabelece a fonte do conceito ‘bom’ no lugar errado. Foram os nobres e poderosos que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como sendo ‘bons’, de primeira ordem, em oposição a tudo o que era vulgar e plebeu. Que lhes importava a utilidade!”.
Após dizer isso, Nietzsche afirma que as forças poderosas, depois de cunhar os nomes para o que lhes é conveniente sob a forma da bondade, não apenas definem, mas se apropriam das coisas:

"O direito senhorial de dar nomes vai tão longe, que nos permitiríamos conceber a própria origem da linguagem como expressão de poder dos senhores: eles dizem: 'isto é isto', marcam cada coisa e acontecimento com um som, como que apropriando-se, assim, das coisas".

Para Nietzsche, a função mais notória da moral é o poder e sua manutenção. Já C. S. Lewis trata da importância da moral julgando que ela se relaciona com três aspectos importantes na vida do indivíduo e da sociedade: primeiro com a justiça e harmonia entre os homens, no sentido de que ela é quem dá direção para que não haja uma espécie de colisão entre as pessoas e as instituições, criando harmonia e proporcionando um relacionamento justo entre o homem e seu meio. Em segundo lugar, com a arrumação e harmonização das coisas no interior de cada um, no sentido de que desfaz a desordem do interior de cada indivíduo, criando um ambiente interno de harmonia e segurança. E, por fim, com o objetivo geral da vida humana como um todo, com o fim para o qual o ser humano foi criado, no sentido de que cria harmonia entre o homem e seu destino e o poder que o criou. Tomando por base essa tese, para C. S. Lewis a moral é fundamental para que haja harmonia do homem com a sua vida e existência. Essa concepção é maravilhosa. Na verdade, seria inconcebível imaginar uma vida em sociedade sem regras para regulamentar a vida e a convivência. O caos do mundo pós-moderno deve-se justamente à fragilização da moral e da ética. Não há harmonia nos indivíduos consigo mesmos e, conseqüentemente, com seus semelhantes, sem a existência de normas, da ética e da moral.
Podemos perguntar, portanto, de que forma isso tudo afeta a família. A questão é que a família está quase desarmada diante de uma ordem tão poderosa, ao mesmo tempo em que má. A base familiar deve ser extremamente sólida para enfrentar uma sociedade que se desfez de princípios e valores tão fundamentais para sua saúde e sobrevivência. É verdade que a família não é o único elemento de formação da sociedade. Ela é formada pelos indivíduos e pelas instituições que a compõem. Com o desenvolvimento tecnológico e a exigência por produtividade, a vida ficou extremamente corrida e o tempo de relacionamentos demasiadamente reduzido. Com isso, os membros das famílias vivem muito mais tempo no ambiente secular do que no familiar, no lar. Isso aumenta consideravelmente a possibilidade de uma influência externa mais marcante na vida de seus membros.
Uma forma de reagir a isso é através da recuperação da convivência familiar num ambiente em que os valores cristãos possam ser semeados e valorizados. Seria revolucionário se em cada lar o Sermão do Monte fosse estudado com diligência. Ali, Jesus estabelece a diretriz para uma ética saudável e produtora de vida, que perfeitamente pode ser aplicada a qualquer sociedade e cultura. Na verdade, como o Evangelho é supracultural, todos os seus preceitos têm condições de nortear o comportamento social em qualquer lugar do mundo sem com isso precisar aniquilar os elementos culturais característicos de cada povo. O Evangelho não pretende mudar a cultura, mas pretende purificá-la. E uma das formas com que ele faz isso é através de seus valores e princípios éticos, morais e espirituais.
Com o questionamento dos absolutos, a pós-modernidade tem destruído elementos sólidos e que são fundamentais para o seu amadurecimento e preservação. O único antídoto é o resgate da família unida em torno de uma ética que tenha condições de ser norteadora em qualquer tempo e circunstância. O cristianismo é esse elemento realmente capaz de conduzir a vida familiar e, conseqüentemente, a sociedade, proporcionando harmonia na relação do homem com seus semelhantes, consigo mesmo e com o Criador.